MINHA MÁQUINA DE ESCREVER
F.Vasconcelos
Numa
incerta busca de algo bem antigo,
notei que me faltava alguma coisa
além
do que ansioso, procurava.
Ah!
A minha máquina de escrever!
Que
fizeram dela?
Finalmente,
que fim lhe haviam dado?
perguntei
a quem, por certo, podia responder.
Sim...
a minha máquina, onde está ela,
se
aqui, onde a guardava, não está mais?
Chamava-se
Olivette e era mui querida.
Fiel
companheira de noites bem vividas
ao
longo das quais, com inusitado amor
e frenética compulsão
gestamos
nossos filhos,
poemas e contos,
e até mesmo um romance inconcluso
ou
ainda em fase de demorada gestação.
E
que dizer das cartas que escrevemos,
em cada uma delas o testemunho
de
imorredoura amizade,
depósitos
que foram todas elas,
das
mais sentidas lembranças
e
inarredável saudade?
Foi
então que me deram a resposta
que
jamais esperava um dia ouvir:
—
A máquina? Aquela bem velhinha, pequenina e sem jeito,
que
para nada mais servia,
desprezada e sozinha?
Aquela
humilde máquina que deixaste de lado
qual
coisas imprestáveis
e com defeito?
Que
proveito dela tirarias,
se com outro amor agora de comprazes,
noite
após noite como amantes fogosos
que
pareciam ser a qualquer hora?
E
foi aí que me veio a resposta
sobre
o destino de minha máquina de escrever:
“Doei-a
àquela casa amiga,
cujo
bazar vez por outra ajudamos
desfazendo-nos
de tudo que guardamos sem mais utilidade”.
Confesso
que sofri.
Oh
pequenina e tagarela ajudante de meus sonhos!
Que
destino te deram, que fizeram de ti?
A
quem serves agora, velhinha e já cansada?
E embora com
saudade e inafastáveis lembranças
contentei-me
ao saber que mesmo tarde,
sem nada saber
do que antes acontecera,
de algum modo fizera caridade...
LEMBRANDO
LUIZ BACELLAR
A
heráldica lembrança do Poeta
Se
eterniza nos poemas que deixou.
Nos
poemas
E
na sempre presença de seus gestos,
De
seu estranho jeito de ser,
Exigente
na postura
E
no inimitável modo de olhar e sentir o mundo.
Quão
diferente foi ele na ortodoxia de seus quereres
Na
curiosa excentricidade de seus costumes
E,
sobretudo, n a indiscutível perfeição de seu fazer poético.
Cauteloso
artesão das letras,
Os
versos que prodigamente nos deixou
Têm
sabor de luas dadivosas,
Dessas
que nos inundam a alma
De
uma inarredável vontade de querer mais e mais.
Exímio
alquimista do belo
Era
do mais íntimo de seu sensível ser
Que
lograva transformar em poesia,
Até
mesmo o insólito e desprezível,
Como
vez ao lamentar a sorte dos indesejáveis moradores
Dos
esconderijos feitos ao pé das velhas e românticas mangueiras
Da
Rua da Conceição.
(Onde
irão morar os ratos, de ventre gordo e pelado?)
De
tais mangueiras,
Chegou
até mesmo a ouvir a saudosa conversa,
nos
lamentos e nas ternas reminiscência casemirianas,
(Oh
que saudades que tenho...)
E
era tal a saudade que tinha da Rua da Conceição,
Que
fico a imaginar ter sido também ali por perto que,
Cauteloso
e cismarento,
Escondia
seus ardentes desejos do solitário
E
consciente eremita que fora a vida inteira.
Na
abrangente alquimia de seus versos,
Com
um simples giro do polegar nas pedras de seu isqueiro
Despertava
miríades de estrelas,
Na
qual, compulsiva e inevitavelmente
Se
comprazia em a em atender os nicóticos caprichos
De
seu mais frequente e traiçoeiro amigo,
Precursor
da agonia.
E
as recordações que tinha ele das treze casas da rua,
Numa
das quais morou por muito tempo?
Como
esquecer a terna e doce balada que dedicou
Á
senhora Dona Donana, ex-dona do quarteirão?
Ah,
Poeta, quanta saudade plantaste com teus versos.
Agora,
velho amigo,
Livre
das amarras que te continham,
É
com a certeza do eterno que segues o teu
caminhar.
E
vais vestido exatamente como gostarias de ir:
Paletó
feito de brumas,
Camisa
de neblina,
Cachecol
à moda russa
E,
na lapela,
Um
breve floco de nuvens.
Vai,
poeta!
Os
que ainda ficamos
Por
muito tempo
Ouviremos,
embevecidos
Os
maviosos sons de tua frauta de barro
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