sábado, 8 de fevereiro de 2014

APARIÇÃO DO CLOWN DE L. RUAS

(FOTO DE R. SAMUEL)


APARIÇÃO DO CLOWN DE L. RUAS

http://aparicaodoclown.blogspot.com.br/


aviso


quando vires o pássaro ferido
vagando antes que surja a madrugada
não o tanjas nem o chames
deixa-o voar. não te apiades
deixa o pássaro voar.
ele comeu a estrela
e conserva no desenho do seu vôo
as dimensões incontidas
dos humildes gestos perdidos para sempre.
não chames o pássaro ferido.
não te ouvirá pois não sabes os seus nomes.
e ninguém há de estancar o vôo
que jorra eternamente
de suas vísceras fecundadas
pela essência intocada da estrela
sua prisioneira e amor.
uma estrela de fogo e de basalto.
de basalto e fogo, não esqueças.
e o pássaro mais ferido pela luz
do que pelas cinco pontas da estrela
sempre voará.
deixa o pássaro voar. quando ouvires
o tatalar – apenas ritmo – cansado
mas não vencido
de suas penas molhadas de arrebol
deixa o pássaro voar. não tentes


prendê-lo. a ilusão é mais mortífera
do que a desesperança.
o pássaro é essencialmente livre
muito embora suas penas estejam prenhes
de luz e sangue misturados.
se vires por acaso o pássaro voando
não o chames para o teu silêncio
pois o pássaro é muito bom – é bom demais –
para que tu sombra e demência
o possas possuir.
nem te deixes seduzir pelo seu canto
que o canto das sereias de ulisses
diante do cantar do pássaro ferido
é apenas ritmo – apenas esboçado.
mas não odeies o pássaro
ama-o de longe. pois é forte
apenas um amor de morte.
puccini ouviu o pássaro cantar.
e eu também eu palhaço o ouvi.
ouvi sua lenda e seu martírio
a tortura da estrela e saí
no ontem no hoje e no amanhã
a procurá-lo.
fruto do bem e do mal.


romance


a estrela de fogo e de basalto tem cinco
chifres e se parece com a rosa.
de sangue.
aberta ferida gotejante
no peito espalmado e branco deste pássaro em vôo.
de ouro e de basalto.
de basalto da etiópia e de neve da antártida.
quando o pássaro raptou a estrela
ela estava sendo devorada por um peixe.
que adianta mais? ser comida por um peixe
ou amada por um pássaro. ser ou não ser comido.
esta é a questão. hamlet tinha razão.
para além para muito além de todo sonho
o pássaro levou a estrela devorada
e mais alto do que as águias o pássaro voou.
mas quando o pássaro quis partir
para a aventura sem rota
por mares nunca antes navegados
por espaços nunca antes habitados
para plantar no barro e na luz
um reino instável e efêmero
onde imperaram
o gênio, a arte, a poesia e a flor
foi então que nasceu o mais profundo humor –
– o pássaro devorou a estrela
e a estrela o pássaro gerou. o palhaço dos homens.
 

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