Tríptico do espanto
Alencar e Silva
I
Tudo traz sob a pele a sua morte:
a rosa e o sonho dançam sobre o abismo
as formas de uma só fatalidade
trabalhada em equívocos. Sereno,
contudo, é o meu semblante: este e o mesmo
que passeio entre as gentes. A amargura
é disposta em murais pelas paredes
do eu profundo – e me espia. Duro é vê-la
contemplando os meus gestos: de seus olhos
flui um rio de sono, um rio sem barcos,
onde bóia meu rosto repartido
em cartazes de espanto... Chove cinzas
sobre as asas de uma ave: e o canto, ausente,
talvez mudo se cumpra eternamente.
II
Amargar o teu peso e nunca mais
o sorriso que vem de não saber-te,
de ignorar teu mistério, de sentir-te
no que apenas supomos e não és.
Ah! o riso não cabe – e é vão o gesto
para colher o sonho decepado:
a mão ergue-se fria contra o vácuo
onde as sombras tropeçam seus enganos.
Nunca mais – e nos olhos e nas mãos
uma calma de angústias concentradas
ante barcos inúteis que se vão
sobre as águas do Letes... Resta apenas
a invenção de outros mitos: como um fruto
que um dia secará sobre um chão bruto.
III
Um rio corre surdo sob as horas
com seu lastro de cinzas e agonias.
Pesa-lhe sobre o curso um astro doido
que governa suicídios e naufrágios.
Uma lua também, por noite funda,
pende a face amarela sobre as águas
onde boiam pesados de silêncio
restos do que já foi – coisas que dormem
ou só derivam na corrente muda
seus corpos, ora belos, ora corpos
de mágoa e medo – sombras penduradas
em vértices de espantos... Nada conta
nesse rio que rola irreversível
carregado de sonho e de impossível.
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