sábado, 17 de agosto de 2013
A TERRA
HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO
A TERRA
A 21 de Abril viram os Navegadores sinais de terra: ervas compridas a que os mareantes chamam botelho, e asy outras a que tambem chamam rabo d asnos; e aa quarta feira seguinte pela manhãa topamos aves, a que chamam fura buchos; e neeste dia, a ora de bespera, ouvemos vista de tera, saber: primeiramente d’huum grande monte muy alto e redondo, e d outras terras mais baixas, ao sul d ele e de terra chãa, com gramdes arvoredos, ao qual monte alto o capitam pos nome o monte Pascoal, e aa tera a tera da Vera Cruz”.
Lançado o prumo, ao sol posto, obra de seis léguas de terra, deram fundo, ancoragem limpa, diz a carta de Pero Vaz, que vamos citando. Aí passaram a noite; na manhã seguinte, quinta-feira, aproaram à terra, até meia légua de distância, “omde lançamos ancoras em direito da boca de huum rio.” Num bote foi Nicolau Coelho à terra “pera veer aquelle rio”, ao que acudiram selvagens, que tinham já visto de longe. Troca de afabilidades entre bárbaros e civilizados, o ruído do mar obstando a que se entendessem. À noite, chuva e vento, decidindo na sexta-feira seguinte levantar ferro e fazer vela; “fomos de longo da costa, com os botees e esquifes amarados per popa, contra o norte pera veer se achavamos alguña abrigada & bom pouso, onde jouvesemos pera tomar agoa e lenha”. Os navios pequenos iam mais chegados a terra, para a procura de um pouso seguro e “acharam os ditos navios pequenos huum arrecife com huum porto dentro muito boo e muito seguro, con huua muy larga entrada e meteram-se dentro e amaynaram.” Estavam numa baía e nela acharam “huum ilheeo grande que na baya está, que de baixa mar fica muy vazio, pero he de todas partes, cercado dagoa”. Nesse ilhéu, a 26 de abril, domingo de pascoela, foi dita a primeira missa, sem índios portanto, apenas para a tripulação.
A carta de Pero Vaz é datada, no fim, “deste Porto Seguro da vosa ilha de Vera Cruz oje sexta feira primeiro dia de mayo de 1500”, véspera de partida da armada para a Índia. Ora, tem-se levantado discussão acerca disto, porque o Porto Seguro de hoje, não corresponde ao de Caminha... A identificação tem sido contraditória. O rio de Nicolau Coelho é hoje “rio do Frade”. A enseada ao norte a dez léguas, é de Santa Cruz, hoje dita Baía Cabrália. Identifica-a o ilhéu, em que foi dita a primeira missa, hoje chamado Coroa Vermelha.
Pretendeu Varnhagen que fosse isso no atual Porto Seguro, mais atrás, ao sul, onde há arrecife protetor e não ilhéu, o que fez dizer a Capistrano de Abreu: “Porto Seguro atual não corresponde à descrição de Caminha, por mais que se queira fazer de um recife um ilhéu”. João Ribeiro — malícia de historiadores — atribui a opinião de Varnhagen à vaidade de seu título de Visconde de Porto Seguro, (poder-se-ia replicar que o título veio do nome do historiador, traduzido do velho alemão originário: Wahr... Haagen... porto verdadeiro ou bom, ou porto seguro) para tirar ao ilhéu da Coroa Vermelha, na baía de Santa Cruz, a glória de ponto de desembarque de Cabral. Além da tradição, vinda com Gandavo, Gabriel Soares, Anchieta, Cardim... há a descrição de Caminha, com a dos geógrafos acordes, Aires do Casal, Almirante Mouchez, Beaurepaire-Rohan, Salvador Pires. Mas haverá causa “decidida”? A confusão parece ter sido devida a que o nome de “Porto Seguro” (dado à atual Santa Cruz) foi posto também à povoação e igreja sede da capitania, o Porto Seguro, que prevaleceu; o nome de Santa Cruz, reservado à terra depois do Brasil, só mais tarde seria apenas o da região, baía, ilhéu, dez léguas ao norte, onde fundearam os navegantes: um nome mudou de lugar e o outro, genérico, localizou-se. (Cf. Carlos Malheiro Dias — A Semana de Vera Cruz in Hist. da Colon. Port., cit. t. II, págs. 75-154).
A terra produziu boa impressão aos navegantes: “a terra em sy he de muito boos aares asy frios e tenperados coma os d antre Douro e Minho, porque neste tempo d agora asy os achavamos como os de la; agoas sam muitas imfimdas; em tal maneira he graciosa que querendo a aproveitar, darseá nela tudo per bem das agoas que tem”. (Caminha, “Carta”, in fine). Este primeiro louvor na boca e na pena dos visitantes, e até dos habitantes, jamais cessou, até agora. O patriotismo brasileiro é sempre da terra: a gente ainda não conta. Culmina em Vespúcio, que chegou a escrever: “se o paraíso terreal existe em alguma parte da terra, não dever ser longe dali”. Podia ser improviso de momento. Os Jesuítas, que aqui padeceram seu apostolado, não são diferentes. É boa e sã, fértil de tudo, de boas águas e bons ares, para Nóbrega (Cartas, 89). Anchieta concorda: “O clima é geralmente muito temperado, de bons e delicados ares e mui sadios, aonde os homens vivem muito, até oitenta, noventa e mais anos e a terra está cheia de velhos. Não tem frios nem calores grandes, os céus são mui puros, maxime à noite”. (Cartas, p. 424). Em São Paulo há uns “Campos Elíseos”: foi Simão de Vasconcelos que lhes deu tal nome: “Estes campos (de Piratininga) merecem nome de Elísios ou bem afortunados...” (Crôn. I, I, n. 149).
Chegaram até à comparação. “Saúde não há mais no mundo, ares frescos, terra alegre, não se viu outra; os mantimentos eu os tenho por melhores, ao menos para mim que os de lá (Portugal) e de verdade que nenhuma lembrança tenho delles, pera os desejar. Si tem em Portugal gallinhas, cá as ha muitas e mui baratas; si tem carneiros, cá ha tantos animais que caçam nos mattos, e de tão boa carne, que me rio muito de Portugal em essa parte. Si tem vinho, ha tantas águas que a olhos vistos me acho melhor com ellas que com os vinhos de lá; si tem pão, cá o tive eu por vezes e fresco, e comia antes do mantimento da terra que delle, e está claro ser mais sã a farinha da terra que o pão de lá; pois as fructas, coma quem quizer as de lá, das quaes cá temos muitas, que eu com as de cá me quero. E alem disto ha cá cousas em tanta abundancia, que, alem de se darem em todo o anno, dão-se tão facilmente e sem as plantarem que não ha pobre que não seja farto com mui pouco trabalho. Pois se fallarem nas recreações, comparando as de cá com as de lá, não se podem comparar e estas deixo eu pera os que cá quizerem vir a experimentar. Finalmente, quanto ao de dentro e de fóra, não se pode viver sinão no Brasil quem quizer viver no paraiso terreal: ao menos sou desta opinião. E quem não me quiser acreditar, venha experimentar. Dir-me-a que vida pode ter um homem, dormindo em uma rede, pendurado no ar como rédea de uvas? Digo que é isto cá tão grande cousa que, tendo eu cama de colxões, e aconselhando-me o médico que dormisse na rêde, e a achei tal que nunca mais pude ver cama, nem descansar noite que nella não dormisse, em comparação do descanso que nas redes acho. Outro terá outros pareceres; mas a experiência me constrange a ser desta opinião”. E por isso o repete Rui Pereira (Cartas Avulsas de Jesuítas, p. 263-4): “se houvesse paraíso na terra eu diria que agora o havia no Brasil” (id. p. 263). São todos assim, estrangeiros e nacionais; não quero citar se não daqueles e da primeira hora. E a gente?
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