terça-feira, 20 de agosto de 2013
PRECURSORES DE CABRAL
HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO
PRECURSORES DE CABRAL
Era corrente, nos livros de história do Brasil, falar-se dos precursores de Cabral, a política nacionalista ajudando. Os partidos ou palpites tomaram-se, uns por acharem muita sorte a Pedralvares, outros a Portugal; aqueles outros empenhados na reabilitação de Américo Vespúcio: as más causas, como as poderosas, atraem sempre sequazes, como adversários. A contrariedade é humana.
Recentemente, porém, conscienciosos, pertinentes e capazes estudos de Duarte Leite, reduziram tudo a bem pouco. Seria longo detalhar. Para ele, se Duarte Pacheco Pereira passou o mar oceano a mando de D. Manuel, foi no hemisfério norte, e “nem descobriu o Brasil em 1498, nem assistiu, dois anos depois, à sua descoberta, por Álvares Cabral”. (D. Leite, Descobridores do Brasil, Porto, 1931, p. 27).
Quanto a Vicente Yanez Pinzon, que teria vindo ao Brasil em 1500, antes de Cabral: “despida de ouropéis e excrescências, da decantada viagem de descoberta limitou-se ao trecho compreendido entre as Guianas e a costa norte que defronta a ilha Trinidad”. (Op. cit., p. 48).
“Alonso de Hojeda nunca esteve no Brasil”, prova ele (págs. 49-56, op. cit.); os 6 graus ao sul devem trocar-se por 6° N, o que representaria de fato apenas um erro de 3°, fácil de cometer pelos pilotos de Hojeda (p. 56, op. cit.).
Também “Diogo de Lepe em 1500 não reconheceu terras brasileiras” e até o navegante não é o que “morreu de morte infamante em Portugal, por ter devassado defesos territórios, senão outro”, tomado na Guiné, por causa de certos pretos que levava furtados. Como Pinzon, Lepe não teria estado no Amazonas (op. cit., p. 63).
Finalmente, a questão mais difícil de Américo Vespúcio, que tem protetores qualificados que o defendem, de acusadores também qualificados. O processo é longo. Duarte Leite põe revide à viagem de 1497 do florentino ao Brasil e analisando as “Cartas” do navegador a quem um cartógrafo, Hilacomillus ou Waldseemüller em 1507, fez doação honorífica do Novo Mundo “América” (nome a ser dado, não ao continente, senão à parte nordeste do Brasil(22), que o navegante abordara) chega a severíssimas conclusões: “esta fátua personagem não passa de noveleiro mentiroso, astrônomo improvisado, navegador como os havia em barda, cosmógrafo que repetia conceitos de outrem, falso descobridor que se apropriou de glórias alheias. Conseguiu, apesar disto, mistificar gerações de homens cultos, que se afadigaram em lhe interpretar as fantasias e procurar sentido aos despautérios”. (Op. cit., p. 193).
Aliás não está só neste juízo. Para não citar outro, o de Sir Clemens R. Markham (The letters of Amerigo Vespucci, London, 1894) para quem Vespúcio é um ignorante, invejoso, apropriador de mérito alheio, rancoroso, que nenhuma situação teve em Portugal, não foi navegador nem cosmógrafo, apenas negociante, fornecedor de víveres às esquadras...
Enquanto as navegações portuguesas e castelhanas eram segredo de Estado, como as fortalezas e obras defensivas hoje em dia, o caixeiro florentino de Marchione em Lisboa, e sócio de Berard em Sevilha, escrevia para a terra a gabar-se e, pela publicidade, foi-se enfeitando com as penas alheias... Aliás os panegiristas chegam às vezes à confissão: “Conhecemos as viagens de Vespúcio apenas por ele... Viagens que Vespúcio diz ter feito...” (Vignaud — op. cit., introd. p. 3.)
Vespúcio gaba-se de solicitado, em Sevilha, por Dom Manuel, para seu serviço: nos arquivos portugueses não há uma palavra, em cronista algum, sobre este personagem, citado apenas pelos seus patrícios, a quem ele dizia, naturalmente, o que podia fazer para fora, sem responsabilidade. Nas suas cartas suprime os companheiros e comandantes e dá-se por autor de tudo. É natural que a Espanha o acreditasse — se todo o mundo viria a ser iludido — nomeando-o piloto-mor, cuidando privar o competidor português de tão grande piloto. Apesar disso, para Castela não fez também nada. Mas o que, antes, dissera, foi acreditado. O essencial, para o mundo, não é fazer, é dizer ou dizerem que se fez...
Portanto, antes de Pedro Álvares Cabral, não teve o Brasil nem portugueses nem estrangeiros, visitantes ou descobridores. Não podia haver certeza, mas, disse o Épico, “havia sospeita...“ (Lus., V, 4).(23)
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