segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pablo Cid (Moacyr Rosas, 1918-1998) As amazonas amerígenas


Pablo Cid (Moacyr Rosas) As amazonas amerígenas 9


MUIRAQUITÃ — Passagem embaraçosa em que os negadores da existência das amazonas americanas esbarram, como diante de um enigma, é a referente ao amuleto muiraquitã.
Esta lenda, colorida num fausto verbal, perturba os que lhe perquirem as origens. Começa por aí a história dos talismãs das amazonas. Na verdade, existem as pedras verdes. Essa côr verde tem um significado melancólico. Parece tomado às nostalgias por lhe faltar o calor que animava as robustas mulheres lendárias. Mas, o verde-pálido não será porventura a côr da saudade? A côr exata do amuleto é a côr da saudade.
No momento em que escrevo, estamos no segundo quartel do século XX, e é crença que o muiraquitã tem a virtude de dar sorte a quem o trás consigo em um estôjo de prata pura. Outra coisa curiosa a notar é a sua temperatura que lembra a do ouro, também possuidor de temperatura própria.

Em estudos dêste gênero, é imprescindível uma divagação etimológica, enfadonha sem dúvida, mas que nem por isso deixa de ter o seu interêsse.
Vejamos. A esta pedra opaca, côr de alface, chamou-se na Europa Beilestein (que é o resultado da união do silicato de magnésio, cálcio e ferro), variedade compacta branca-esverdeada de actinoto. Tem como sinônimo nefrito, pedra que nossos avoengos das margens do Mediterrâneo usavam como substância terapêutica infalivel na cura de suas cruciantes cólicas renais.
Lá, no velho continente europeu, se propõs e se usou por algum tempo o sonoro vocábulo composto — amazo-nen.stein, que traduz: pedra das amazonas. Aliás não é desoportuno, aqui, fazer uma ligeira referência às amazonas da antigüidade. Esta pedra de que ora se cogita. não tem nenhuma relação com o mineral que usavam as citas, aquêle curioso bando de mulheres que, deixando os maridos, assentou moradia nas ribas do sinuoso Termodonte, em Capadócia, e que era denominada por Plínio e Teofraste de — “esmeralda”. Era assim que geralmente apelidavam todo gênero de pedra verde, quer fôsse translúcida ou opaca. Isso apenas elucida que a ignorância não tem idade.
O conde Ermano Stradelli, cujo nascimento numa província italiana foi saudado com festejos populares, contrastando com sua morte ocasionada pelas torturas do mal de Hansen, taciturnamente enlapado na sua dor íntima, escreveu a palavra myrakytan, que não só foi aceita pelos estudiosos, como conquistou popularidade. Dá sua tradução assim: kytái, kytctn, nó de madeira; rnyrá, muyrá, ‘mbyra, árvore, pau, madeira. Já Maurício de Heriarte, acorde embora na tradução, grafa o vocábulo dêste modo: uuraquitan, dando-lhe o gênero masculino.
Outra particularidade digna de nota.
Muiraquitã é o legítimo nome dos amuletos manufaturados em madeira pelos indígenas da estepe verde do continente sul-americano, enquanto que, na realidade, itaquitan é o nome dos talismãs feitos de pedra, e que se têm encontrado com certa abundância. Faz-se-lhes um orifício em um dos extremos, o qual serve para atravessar um fio que é atado ao pescoço. O curioso diante de uma pedra adquirida das mãos dos selvagens pode fàcilmente confundir o itaquitan com o tembetá, que é um bodoque de pedra (artefato arqueológico verde), que os goitacás, tupinambás e tamoios usavam vaidosamente no lábio inferior. Afirma Heriarte que os índios do Maranhão compravam a noiva com pedras verdes denominadas: baraquitãs. Henry Wassen, em seu estudo, reportando-se às arqueológicas rãs verdes da Amazônia e fundando a sua opinião em Franz Heger, afirma que se deve restringir o têrmo muiraquitã, e sõmente aplicá-lo “aos pequenos, furados e, muitas vêzes, zoomórficas pendentes de nefrite achados numa área bastante definida ao redor de Óbidos”.
Nas lendas eruditas sôbre as amazonas é comum deparar-se-nos a palavra incáica — Yacumana, que é a mãe do muiraquitã e mora na parte mais íntima do ventre dos .lagos.



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