sábado, 31 de agosto de 2013

CRÔNICA DE MACHADO DE ASSIS

(NA FOTO: LUIZ MURAT)
 
Bons dias!

 

Antes de mais nada deixem-me dar um abraço no Luís Murat, que acaba de não ser eleito deputado pelo 12° distrito do Rio de Janeiro. Eu já tinha escovado a casaca e o estilo para o enterro do poeta e o competente necrológio; ninguém está livre de uma vitória eleitoral. Escovei-os e esperei as notícias.

 

Vieram elas, e não lhe digo nada: dei um salto de prazer. Cheguei à janela; vi que as rosas, — umas grandes rosas encarnadas que Deus me deu, — vi que estavam alegres e até dançavam; a música era um bater de asas de pássaros brancos e azuis, que apareceram ali vindos não sei donde, nem como.

 

Sei que eram grandes, que batiam as asas, que as rosas bailavam e que as demais plantas pareciam exalar os melhores cheiros. Umas vozes surdas diziam rindo: Murat, derrotado. Murat, derrotado.

 

E que bonita derrota, Deus de misericórdia! Podia perder a eleição por vinte ou trinta votos; seria então um meio desastre, porque abria novas e fundadas esperanças. Mas, não, senhor, a derrota foi completa; nem cinqüenta votos. Por outros termos, é um homem liberto; teve a sua Lei de 13 de Maio: “Art. 1°. Luís Murat continuará a compor versos. Art. 2°. Ficam revogadas as disposições em contrário”.

 

Não é que seja mau ter um lugar na Câmara. Tomara eu lá estar. Não posso; não entram ali relojoeiros. Poetas entram, com a condição de deixar a poesia. Votar ou poetar. Vota-se em prosa, qualquer que seja, prosa simples, ruim prosa, boa prosa, bela prosa, magnífica prosa, e até sem prosa nenhuma, como o Sr. Dias Carneiro, para citar um nome. Os versos, quem os fez, distribui-os pelos parentes e amigos e faz uma cruz às musas. Alencar (e era dos audazes) tinha um drama no prelo, quando foi nomeado ministro. Começou mandando suspender a publicação; depois fê-lo publicar sem nome de autor. E note-se que o drama era em prosa...

 

Suponhamos que Luís Murat saía eleito, e que seu rival, o Augusto Teixeira, é que ficava com os quarenta votos. Com certeza, os versos de Murat não passavam a ser feitos pelo Teixeira; e era talvez, uma vantagem. Em todo caso, ficávamos sem eles. Onde estão os do Dr. Afonso Celso? José Bonifácio, se os fazia, enterrava-os na chácara... Podia citar outros, mas não quero que a Câmara brigue comigo.

 

Vá lá abraço, e adeus. Agora é arrazoar de dia no escritório de advogado, e versejar de noite. Não fazem mal as musas aos doutores, disse um poeta; podem fazê-lo aos deputados.

 

Antes de mais nada, disse eu a princípio; mas francamente não vi se tinha mais alguma coisa que dizer. Prefiro calar-me, não sem comunicar aos leitores uma notícia de algum interesse.

 

Os leitores pensam com razão que são apenas filhos de Deus, pessoas, indivíduos, meus irmãos (nas prédicas), almas (nas estatísticas), membros (nas sociedades), praças (no exército), e nada mais. Pois são ainda uma certa coisa, — uma coisa nova, metafórica, original.

 

Ontem, indo eu no meu bonde das tantas horas da tarde para (não digo o lugar), ao entrarmos no Largo da Carioca, costeamos outro bonde, que ia enfiar pela Rua de Gonçalves Dias. O condutor do meu bonde falou ao do outro para dizer que na viagem que fizera da estação do Largo do Machado até a cidade, trouxe um só passageiro. Mas não contou assim, como aí fica; contou por estas palavras: “Que te dizia eu? Fiz uma viagem à toa; apenas pude apanhar um carapicu...”

 

Aí está o que é o leitor: um carapicu este seu criado; carapicus os nossos amigos e inimigos. Aposto que não sabia desta? Carapicu... Como metáfora, é bonita; e podia ser pior.

 

Boas noites.

 

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