segunda-feira, 12 de agosto de 2013
HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO 9
HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO 9
O DESCOBRIMENTO
Foi descoberto... O Tratado de Tordesilhas, concluído a 7 de junho, assinado a 2 de julho de 1494 em Arevalo, dizia que todos os descobrimentos portugueses ao oriente de uma “raya ou linea derecha de polo a polo... a tresientas & setenta leguas de las yslas del Cabo Verde”, ou que, desde essa data, viriam a descobrir os Portugueses, seriam deles; para o ocidente seriam dos Castelhanos. A linha limitante ou divisória das duas bandas do mundo seria riscada por “pilotos, como astrólogos y marineros & qualesquer otras personas que convengan”, dentro de dez meses. Isto é ao tempo de Dom João II; Dom Manuel pede à Santa Sé confirmação do Tratado, o que Júlio II concede, a 24 de janeiro de 1506. A pedido dos reis de Espanha, um pontífice espanhol, Alexandre VI (Bórgia), sem audiência de Portugal, dividira o mundo pelo meio e dera aos Portugueses um hemisfério limitado até 100 léguas de Cabo Verde. D. João II não reclamou do Papa, negociou com Espanha: a linha seria a 250 léguas, se os Espanhóis descobrissem novas terras ao ocidente até 20 de julho de 1494, de 370 se isso não tivesse ocorrido até esta data. A linha do Pontífice caía no mar, deixando a Índia, pela África, aos Portugueses; a concessão a Colombo, até onze dias da assinatura do tratado, dar-nos-ia um terço, ainda assim, do Brasil; a linha definitiva deu-nos o Brasil quase todo, da embocadura do Amazonas, ao limite sul de S. Paulo.
A 370 léguas a oeste da ilha mais ocidental do arquipélago de Cabo Verde... acabava o hemisfério português pelo ocidente... Dom João II insistente, tenaz (el Hombre, como lhe chamava Isabel a Católica) e os seus diplomatas e técnicos previram o Brasil, aí incluído: a Espanha e a Igreja concediam-lhe a África e as Índias, supondo que o contentavam; não, ele queria mais, e exigiu também o Brasil...
Duarte Pacheco Pereira, o grande piloto, escritor, cosmógrafo e herói que veio com Cabral ao Brasil, e fora dos negociantes de Tordesilhas, dirigindo-se a el-Rei D. Manuel escreveu, em 1506, no Esmeraldo: “Por tanto bemaventurado Principe temos sabido & visto como no terceiro anno de vosso Reynado do hano de nosso senhor de mil quatrocentos noventa & oito donde nos vossa alteza mandou descobrir ha parte oucidental passando alem ha grandeza do mar ociano honde he achada & navegada huma tam grande terra firme com muitas e grandes Ilhas ajacentes a ella que se estende a setenta grados de Ladeza da linha equinocial contra ho polo artico.” (Esmeraldus de Situ Orbis, cit. 1. I, cap. II, p. 7). “É achada e navegada”, traduzem os comentadores: achou-se e navegou-se o Brasil. Mas, em 1498, Dom Manuel mandara Duarte Pacheco achar esse Brasil suspeitado em Tordesilhas, em 1494, pelos Portugueses, um deles esse Duarte Pacheco que, em 1500, vem, com Cabral, a isso...(6)
O depoimento de Pero Vaz, do Mestre João, físico e cirurgião, que vinha na Armada, e do Piloto Anônimo, sobre o descobrimento, em 1500, não revela surpresa e imprevisto... O Piloto refere “o grandíssimo prazer” do achamento. Achar o que se procura faz isto. O imprevisto não; esse, surpreende(7). Nesses documentos, os únicos de testemunhas, não há tempestades, ao menos a invocada para o desvio da rota. Vasco da Gama passara também ao ocidente de Cabo Verde, empegado no mar, para evitar as calmarias africanas e dobrar de largo o Cabo de Boa Esperança, como fez Cabral, mas não aportou ao Brasil... Mestre Joham, o físico da armada, diz a el-Rei D. Manuel:
“Quando, senor, al sityo desta tierra, mande Vossa Alteza traer un napa-mundi que tiene Pero Vaaz Bisagudo(8), e por ay podrra ver Vosa Alteza el sityo desta tierra”, “en pero, aquel napa-mundi non certyfica esta tierra ser habytada, o no. Es napamundi antiguo”... Já o Brasil estava em “napamundi antiguo”: ao menos sabia-o um dos descobridores...
Fundado nestes dois documentos, de Duarte Pacheco e de Mestre Joham, ambos testemunhas presenciais do achado de 1500, diz o americanista Henri Vignaud: “não poderá haver dúvida alguma que não é Cabral o primeiro descobridor português do Brasil”. (Americ Vespuce — ses voyages... Paris, 1911, p. 143-5). Depois disso, continuar-se-á a falar da “tempestade”, “das calmarias”, do “acaso”(9), como fizeram, da quarta-feira, 22 de abril, 3 de maio, que foi domingo... Ignorância ou teima: ou as duas.
A 22 de abril, à tardinha, houveram vista da terra, o monte Pascoal, o arvoredo. A 23 navegaram contra a terra e surgiram na foz de um rio. Viram homens nus, com arcos e flechas. A 24 navegaram ao longo da costa, buscando abrigo, aguada e lenha. Acharam um porto, abrigado por arrecifes e aí ancoraram. A 26, domingo, o franciscano Fr. Henrique Soares, de Coimbra, ajudado por outros religiosos, celebrou, num ilhéu, a primeira missa(10). Na sexta-feira, 1.º de Maio, erigiram em terra firme uma grande cruz de madeira, feita por dois carpinteiros de bordo, com as armas e divisas de Dom Manuel, sendo rezada então a segunda missa. Para o reino, a dar notícia do achado, seguiu o navio de Gaspar de Lemos. Com as araras e papagaios, arcos, flechas, penas, amostras da terra e da gente, pretende Castanheda fora um índio: “& mandou-lhe hu home daquela terra” (op. cit., 1. I, c. XXXI, p. 72). A armada agora de onze navios, partiu a 2 de Maio, sábado, rumo de África, para passar o Cabo de Boa Esperança pelo largo, segundo recomendava a experiência de Bartolomeu Dias e de Vasco da Gama.
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