sexta-feira, 9 de agosto de 2013

As amazonas amerígenas 6


Pablo Cid
(Moacyr Rosas)


As amazonas amerígenas 6





Outro que também muito contribuiu para a divulgação dêste fato lendário foi W. Raleigh, que na curiosa opinião do grande bardo maranhense G. Dias, dava “ao vulgo o maravilhoso, - para o govêrno o interêsse - e para a rainha a lisonja”.
Raleigh, nascido em 1552 e decapitado em Londres a 29 de outubro de 1618, dotado de incomum espírito aventureiro, figura galharda e insinuante que se tornou um dos mais ricos magnatas da côrte isabelina, foi favorito da rainha. Esta circunstância permitiu-lhe com a palavra eloqüente, sugestiva e colorida de que era dotado, dizer nos serões reais que havia ensinado as cunhãs guerreiras a pronunciar o sagrado nome de sua majestade. Aqui fica bem a sentença hugoana: “O cinismo vale tanto quanto a hipocrisia. Humboldt comentando a astúcia do pirata inglês, disse que isso, sem dúvida alguma, excitara a sensibilidade da vaidosa rainha. “Isabel, — comenta V. Hugo — é um tipo que em Inglaterra, dominou três séculos, o décimo-sexto, o décimo-sétimo e o décimo-oitavo. Isabel é mais que uma inglêsa, é uma anglicana... Isabel traduzia Horácio. Isabel, sendo feia, decretava que era formosa, gostava dos quartetos e dos acrósticos, fazia que as chaves da cidade lhe fôssem apresentadas por cupidos, mordia o beiço à italiana, e volteava as pupilas à espanhola, tinha no guarda-roupa três mil vestuários, entre os quais figuravam vários trajos de Minerva e de anfitrite, avaliava os irlandeses pela largura dos ombros, cobria de palhetas de ouro as anquinhas, adorava as rosas, jurava, praguejava, batia o pé, dava murros nas damas de honor, mandava Dudley para o diabo, batia no chanceler Burleigh que chorava como idiota já caduco, cuspia em Mathew, agarrava Hatton pelo pescoço, esbofeteava Essex, mostrava a coxa a Bassompierre, e era virgem”. Ora, numa côrte que tinha uma rainha desta têmpera a palavra de um cínico encantador como Raleigh só podia ser acatada festivamente. Dêsse modo, a notícia das amazonas amerígenas pronunciarem o nome real, constitui uma nota sensacional nos meios palacianos.

Até esta altura os dados advogam a favor de Orellana, como não sendo êle o criador do mito, do embuste ou coisa que o valha. Se o ter compartilhado é razão suficiente para o acoimarem de mentiroso como até aqui tem procedido a posteridade para com êle, é oportuno que nos precatemos com a sentença de Montesquieu: “Uma injustiça feita a um só é uma ameaça feita a todos”. Isto para evitar que continuem os historiadores a enxovalhar-lhe o nome, fundado neste motivo injusto.
Robertson Works, em uma das páginas de sua História da América, taxa aquela narração de artifício de um aventureiro Gómara, depois de aniquilar as suas marcantes qualidades, classifica-o, com seu terrível e convincente estilo, de infiel e de mentiroso. Sant’Anna Nery, no seu citadíssimo Le Pays des Amazones, no mesmo rítmo, também crimina-o de traiçoeiro e de desumano; “Orellana se débarrasse de ces braves gens qui n’étaient pas faits pour le comprendre”. “L’un de ces infortunés était un domificam, Gaspar de Carvajal l’autre, un hidalgo de Badajoz, Hernando Sanches de Vargas”. Hoje, porém, tal juízo é integralmente refutado pela leitura da Relação do frade dominicano Gaspar Carvajal. Referindo-se a êste documento, A. Santa Rosa em sua História do Rio Amazonas (Pará 1926), diz: “a luz se derramou sôbre fatos, e a memória de Orellana tem-se imposto à consideração mais condigna do renome da gloriosa aventura”.
Acuña, que viera a estas plagas um século após Orellana, defende-o, despido de qualquer paixão. Apreciêmo-lo na tradução do distinto escritor patrício C. de Mello Leitão: “não me persuado de sua nobreza, nem é crível que tendo êste rio tantas grandezas a que pudesse lançar mão, baixeza ordinária de quem, não podendo por seus braços alcançar a honra que deseja, procura mendigar a do vizinho”.

Em suma, se fôsse criação do cérebro de Orellana —a lenda das Amazonas amerígenas — seria caso para lhe consagrarmos admiração. Pois se há mentira construtora, esta foi uma feliz e maravilhosa mentira! Ela tem dado à mesopotâmia brasileira um comprovado prestígio nas esferas pensantes dos povos cultos. Para não apontar quantiosos nomes de talentos que se deixaram impressionar por ela, basta recordar: o citadíssimo La Condamine e Humboldt, cujo gênio está eternizado em suas obras como se fossem letras de ouro em páginas de bronze.


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