1883
2 de julho
Sabe-se que a Sociedade Portuguesa
de Beneficência acaba de abrir uma enfermaria à medicina dosimétrica. Este é o
nome, creio eu; e não há por onde trocar os nomes às coisas, que já os trazem de
nascença.
Mas não basta abrir enfermarias; é
útil explicá-las. Se a dosimetria quer dizer que os remédios dados em doses
exatas e puras curam melhor ou mais radicalmente, ou mais depressa, é, na
verdade, grande crueza privar os restantes enfermos de tão excelso benefício.
Uns ficarão meio curados, ou mal curados, outros sairão dali lestos e pimpões; e
isto não parece justo.
Note-se bem que eu não ignoro que
os doentes, por estarem doentes, não perdem o direito à liberdade; mas,
entendamo-nos: é a liberdade do voto, a liberdade de consciência, a liberdade de
testar, a liberdade do ventre, (teoria Lulu Sênior); por um sentimento de
compaixão, a liberdade de descompor. Mas, no que toca aos medicamentos, não!
Concedo que o doente possa escolher entre a alopatia e a homeopatia, porque são
dois sistemas, — ou duas escolas, — a escola cadavérica (versão Maximiano) e a
escola aquática. Mas não tratando a dosimetria senão da perfeita composição dos
remédios, não há para o doente, a liberdade de medicar-se mal. Ao contrário,
este era o caso de aplicar o velho grito muçulmano: — crê ou morre.
Se, ao menos, a própria dosimetria
permitisse o uso de ambos os modos, as doses bem medidas, e as doses mal
medidas, tinha a enfermaria uma explicação. E não seria absurdo. Conheci um
médico, que dava alopatia aos adultos, e homeopatia às crianças, e explicava
esta aparente contradição com uma resposta épica de ingenuidade: — para que hei
de martirizar uma pobre criança? A própria homeopatia, quando estreou no Brasil,
teve seus ecléticos; entre eles, o Dr. R. Torres e o Dr. Tloesquelec, segundo
afirmou em tempo (há quarenta anos) o Dr. João V. Martins, que era dos puros. Os
ecléticos tratavam os doentes, "como a eles aprouvesse". É o que imprimia então
o chefe dos propagandistas.
Mas a dosimetria é contrária a
esses tristes recursos. Parece mesmo que esta nova religião ainda não passou do
vers. 18, cap. IV, de São Mateus, que é o lugar em que Jesus chama os primeiros
apóstolos, Pedro e André: "Vinde após mim, e farei que sejais pescadores de
homens". Não há ainda tempo de ter hereges nem cismáticos: está nas primeiras
pescas de doentes.
O único ponto em que a escola
dosimétrica se parece com a homeopática é na facilidade que dá ao doente de
tratar-se a si mesmo; mas isto não quer dizer que tenha de cair no mesmo abuso
do ecletismo. Quer dizer que a ciência, como todas as moedas, tem seus trocos
miúdos. Dois amigos meus andam munidos de caixas dosimétricas; ingerem isto ou
aquilo, conforme um papelinho impresso, que trazem consigo. Levam a saúde nas
algibeiras, chegam mesmo a distribuí-la aos amigos.
Lá que isto seja novo, é o que
nego redondamente. O autor destas vulgarizações parece ser um certo Asclepíades,
contemporâneo de Pompeu. Esse cavalheiro era mestre de eloqüência; mas sentindo
em si outros talentos, estudou a medicina, criou uma arte nova, e anunciou cinco
modos de cura aplicáveis a todas as enfermidades. Estão ouvindo? Cinco,
nem mais uma pílula para remédio. Essas drogas eram: dieta, abstinência de
vinho, fricções, exercício a pé e passeios de liteira. Cada um sentia que
podia medicar-se a si próprio, escreve Plínio, — e o entusiasmo foi
geral. Tal qual a homeopatia e a dosimetria. Nem uma nem outra tocou ao
sublime daquele Asclepíades, que, segundo o mesmo autor, encontrando o saimento
de um desconhecido, fez com que o inculcado morto não fosse deitado à fogueira,
levou-o consigo e curou-o; mas, em suma, aguardemos o primeiro freguês que a
escola cadavérica remeter para a Jurujuba.
Voltando ao ponto, espero que a
direção da Beneficência atenda aos meus conselhos. Não negue a cem doentes o que
tão liberalmente distribui a sete ou quinze. Que o semelhante cure ao
semelhante, ou o contrário ao contrário, são afirmações que se excluem; mas,
contrário ou semelhante, é de rigor que as doses sejam as mesmas.
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