quarta-feira, 28 de agosto de 2013

HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO


HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO

BRASIL, SEM PROVEITO
O Brasil, de permeio, não tinha gentes industriosas, nem produzia nada. Os próprios Padres Jesuítas que haveriam de dizer, como o Padre Nóbrega: “esta terra he nossa empresa”, discutiam preferência no reino, e cuidavam, como refere um deles, Rúi Pereira, “que vir ao Brasil era perder tempo”. (C. Avulsas, p. 263). A Índia é que era. Aonde os hereges endurecidos a confundir? Nenhum interesse, nem temporal nem espiritual. Contudo, Pero Vaz de Caminha achou a primeira utilidade, além da terra a aproveitar e a gente a fazer cristã: é “que hy non ouvesse mais ca teer aquy esta pousada pera este navegaçon de Calecut abastaria” (op. cit., in fine), o que Dom Manuel ratifica, na comunicação aos Reis de Espanha: “la qual (terra) parece que nuestro Senor milagrosamente quiso se halasse, porque es muy conveniente y necessaria para la navigacion de la India, porque alli reparo sus navios é tomo água” (op. cit.). O tempo ensinaria outros proveitos.

Gaspar de Lemos, que tornou a Portugal, de Santa Cruz, a noticiar o descobrimento, foi o primeiro explorador da terra. Seguiu ao longo da costa, para o Norte, até ponto indeterminado do avanço oriental da terra sobre o mar. É o que explica a notícia citada, de Cretico-Pisani, em julho de 1501, à Senhoria de Veneza, dando notícia do descobrimento: “indichino questa terra esser terra ferma, perché corseno per costa duo mila piu ne mais trovorno fin” (Racolta Colombiana, p. III, v. I, p. 44). Se, na ocasião, Cabral já estava de regresso em Lisboa, a exploração, embora exagerada, só podia ter sido feita por Gaspar de Lemos.
Antes, porém, do retorno de Cabral, Dom Manuel mandava terceira armada à Índia, apenas de intuito comercial, comandando João da Nova quatro navios, sendo uma nau por conta de Dom Álvaro de Bragança e outra armada por Bartolomeu Marchioni, o mercador florentino. Partiu a 1.º ou 5 de março de 1501 e tornou a 11 de setembro de 1502. Fez escala pelo Brasil, percorrendo cento e vinte léguas da costa, diz o Cardeal Saraiva(5) e Duarte Leite(6) atribui a informações dessa armada o planisfério de Cantino, de 1502, feito por cartógrafo português e levado ao duque de Ferrara: aí já vem uma nomenclatura de terras brasileiras: a 29 de Abril de 1501 nomeou-se o Cabo de Sam Jorge. Nesse mapa de Cantino já vem descoberta e batizada a Baía de Todos os Santos.
[imagem]
Megatherium americanum de Jacobina (Bahia)
Col. do Museu Nacional — Rio

[imagem]
Cerâmica da Ilha do Marajó
Col. do Museu Nacional — Rio

Teria sido visitada pela armada de 1501, da qual fez parte Américo Vespúcio e comandante ignorado, (Fernão de Loronha, para Duarte Leite, op. cit., p. 173, Gonçalo Coelho, para Fortunato de Almeida, Hist. de Port., Coimbra, 1924, t. II, p. 255) que, antes da chegada de Cabral, mandara Dom Manuel a explorar a terra descoberta.
Valentim Fernandes de Moravia, em documento público, de 20 de maio de 1503, diz: “Passados dois anos (de 1500) uma outra armada do mesmo cristianíssimo rei, destinada a esse fim, tendo seguido o litoral daquela terra por quase 760 léguas encontrou nos povos uma só língua, batizou a muitos e avançando para o sul chegou até a altura do pólo antártico, a 53° e tendo encontrado grandes frios no mar voltou à pátria”. Esta viagem de 1502-3 teria sido a em que fora Américo Vespúcio(7), comandada por Gonçalo Coelho (F. de Almeida) ou por Fernão de Loronha (Duarte Leite). Fernandes atesta que o colegiu “mediante a narração de dois homens da terra acima referida e abaixo assinado que durante 20 meses lá moravam e afirmo que tudo isto é verdadeiro pelo que vi e me relataram”. Teriam sido estes dois homens dos quatro que no Brasil ficaram da armada de Cabral (dois degredados e dois grumetes). (Cf. A. Fontoura da Costa — Cartas das Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes, 1506-1508, Lisboa, 1939, p. 93.
As coisas teriam passado de outra maneira. Aqui, em 1501 ou 1502, teria estado Fernão de Loronha, que descobrira, a 23 de junho desse ano, uma ilha perto de Santa Cruz, também explorada. Dom Manuel arrendava-lhe as terras exploradas, associado a outros, cristãos novos e ricos, obrigados a mandar todos os anos seis caravelas descobrir 300 léguas de costa anualmente, fazer uma fortaleza mantida nos três anos do contrato: no primeiro ano nada pagariam, no segundo um sexto, no terceiro um quarto; contam trazer brasil e escravos e outras coisas de proveito que achassem. (Carta de Piero Rondinelli, de Sevilha, a 3 de outubro de 1502, in Racolta Colombiana, III p., vol. II, p. 120-1). No mapa de Cantino vem no cotovelo da costa brasileira uma ilha com a inscrição Quaresma, posta por colaborador anônimo. Seria a ilha descoberta por Fernão de Loronha em 1501 ou 1502, da qual fala um diploma de Dom Manuel, doando-lhe a ilha de Sam Joham “que ele hora novamente achou e descobryo cincoenta leguas alla mar de nossa terra de Santa Cruz que lhe temos arrendada”. Essa ilha, chamada Quaresma no planisfério de Cantino, por Loronha S. João, por tê-la descoberto no dia deste santo, foi também chamada S. Lourenço, e, por fim, Fernando Noronha, por corruptela do nome do descobridor.
De passagem para a Índia, uma armada sob o comando de Afonso de Albuquerque, quatro navios, Sant’Iago, São Cristóvão, Espírito Santo e Catarina Dias, toca no Brasil, segundo depõe em carta Giovanni da Empoli, que descreve os selvagens e a escassez de produtos da terra (Racolta Colombiana, Roma, 1893, parte III, vol. II, carta de 16 de setembro 1504: “La nostra partida de Lisbona...” 6 de abril de 1503).
[imagem]
Carta Quinhentista da Baía de Todos os Santos

[imagem]
Carta Quinhentista da Baía do Rio de Janeiro

O contrato com Fernão de Loronha estipulava a remessa anual de seis caravelas o que, diz Damião de Góes, “ocorreu no primeiro ano, 1503, despachando Dom Manuel a Gonçalo Coelho com seis naus à terra de Santa Cruz, com que partiu do porto de Lisboa aos dez dias do mês de junho, das quais por terem pouca notícia da terra, perdeu quatro e as outras duas trouxe ao reino com mercadorias da terra, que então não eram outras que o pau vermelho a que chamavam brasil, bugios e papagaios”. (Crôn. de El-Rei D. Manuel, p. 1, cap. LXV, fl. 65). Vespúcio teria volvido nesta armada. Para exploração e tráfico dividir-se-ia em dois grupos, e Vespúcio, feitor de Marchioni, diz Duarte Leite, teria ficado ao norte, nada nos podendo informar dos descobrimentos de Gonçalo Coelho, a que não assistiu. Vespúcio teria rumado à baía de Todos os Santos descoberta na sua precedente viagem, teria construído um fortim em Porto Seguro, não passara porém de Cabo Frio e, carregado, tornara a Lisboa, crendo que seu comandante Gonçalo Coelho se perdera, vítima de “sua muita soberba”.
Foi Gonçalo Coelho, para Duarte Leite, que, “calendário na mão”, foi dando os nomes que Varnhagen atribuirá a Vespúcio, na viagem anterior: “perfeita concordância cronológica e topográfica que falta a análoga de Varnhagen e liberta de outros vícios.” (op. cit., 182). A saber:
Angra de São Roque — 16 de agosto.
Santa Maria da Arrábida.
Cabo de Santo Agostinho — 28 de agosto.
Rio das Onze Mil Virgens — 21 de outubro.
Rio de São João (de Tiba) — 14 de novembro.
Ilha de Santa Bárbara — 4 de dezembro.
Rio de S. Luzia — 13 de dezembro.
Serra de S. Tomé — 21 dezembro.
Cabo Frio —
Angra dos Reis — 6 de janeiro.
Rio Jordão — 13 de janeiro.
Rio de S. Antão — 17 de janeiro.
Porto de S. Sebastião — 20 de janeiro.
Porto de S. Vicente — 22 de fevereiro.
Pináculo da Tentação — 25 de fevereiro.
Rio da Cananea — 29 de fevereiro.

“Varnhagen quere — diz Duarte Leite — que o Rio de Janeiro fosse descoberto a 1 de janeiro de 1501, mas engana-se no ano e talvez no dia, pois na hipótese era natural escolher-se o nome de rio de ano bom”. “Joaquim Caetano da Silva e Varnhagen ignorando (como nós) quando Coelho regressou a Portugal, imaginaram-no estacionado durante anos no Rio de Janeiro, onde fez arraial: fundavam-se principalmente em que o mapa Kunstmann II, nas vizinhanças da Guanabara, inscreve Piñachullo detetio, onde leram Coelho detentio. É fantasia pura: a verdadeira lição, transtornada pelo cartógrafo italiano, é Pináculo da tentação (assim no Mapa anônimo de Turim, de 1523), nome imposto a um alto monte a 25 de fevereiro de 1504, pois a este dia se refere o evangelho de S. Mateus à tentação de Cristo no cume de uma elevada eminência. Dos evangelhos saíram também os nomes dos rios de Jordão e de Cananéa, o primeiro imposto em 13 de janeiro, quando se celebra o batismo de Cristo no rio Jordão; e o segundo em 29 de fevereiro, dia de 1504 em que se comemorou o encontro de Cristo com a mulher de Cananéa, cuja filha milagrosamente sarou” (op. cit. p. 183). (Também Wieser [op. cit.] e o Barão do Rio Branco [Esquisse de l’histoire du Brésil] por motivos, paleográfico um, outro lingüístico, discordam de Varnhagen neste ponto). Deve-se dizer que o sistema de identificar os descobrimentos portugueses pela folhinha, desde Frei Gaspar da Madre de Deus (Memórias para a história da Capitania de S. Vicente, S. Paulo-Rio, 1920, p. 116-19) é às vezes precário: por ele Gaspar Corrêa errou a data do descobrimento do Brasil... Hümmerich afirma, por ele ainda, que a 18 de maio de 1502 foi descoberta, — pela armada de D. Estêvão de Gama, (cinco navios atrasados da esquadra de Vasco da Gama, na sua 2.ª viagem) em trânsito para a Índia, — a Ilha da Trindade.
A 22 de Setembro de 1502(8) chegara a Lisboa o primeiro carregamento de pau-brasil, a que se deu o preço de dois cruzados ou 400$000 nossos, por arroba. Também peles de animais, bugios, papagaios, algodão, pimenta da terra, começaram a ser apreciados. Talvez já alguma especiaria. O P.e Antônio Vieira, em carta de 1675, escreveu: “em tempo de el-rei D. Manuel e logo no princípio dos descobrimentos do Brasil, transportaram os Portugueses para lá algumas plantas da Índia e entre elas a da pimenta, as quais muito prosperaram; mas que julgando el-Rei, que esta cultura viria a prejudicar os interesses do comércio oriental, mandara arrancar as novas plantas, e proibira, sob graves penas, a sua cultura, que assim se executou, escapando tão somente a este mal pensado extermínio o “gengive”, que, por ser raiz, se meteu por debaixo da terra, e não pôde ser extinto”. (Cartas, ed. J. Lúcio de Azevedo, Coimbra, 1928, t. III, p. 147).
Com os Portugueses de Fernão de Noronha começaram, antes de 1504, a concorrer navegantes Franceses; estes entraram em entendimento com os Índios, que lhes chamavam “Mairs” para os distinguir dos Lusitanos, a quem chamavam “Peirós”. O brasil era o interesse da terra, além das curiosidades dos mesmos índios, que não custavam a embarcar, supondo ir, com eles, ao céu(9). Para estes Franceses a nova terra era designada pelo seu produto, terre du brésil, donde, por menor esforço, le brésil ou le Brésil, como vieram a chamar-lhe. Os Portugueses, diz Varnhagen, chamavam “brasileiros” aos que tiravam e se ocupavam com o brasil, como baleeiros se diz dos que pescam baleias, negreiros dos que fazem o tráfico dos negros: o gentílico substituir-se-ia ao epíteto profissional (o mesmo dar-se-ia com os “mineiros”). Estaria assim, desde aí, antes de 1504, admitido o Brasil e os Brasileiros, que depois viriam à escrita e à geral admissão. No seu Esmeraldo, começado a escrever em 1505, Duarte Pacheco já escrevia “as gentes que habitam na terra do Brasil”. .. (op. cit., cap. II, 2.º 1.).
Portugal soube logo dessas incursões francesas. Binot Paulmier de Gonneville, em 1505, depôs perante o Almirantado de Normandia ter estado no Brasil, região que os navegantes de Dieppe e St. Malo freqüentavam. Anchieta escreveu: “Na era de 1504 vieram os Franceses ao Brasil a primeira vez ao porto da Baía e entraram em Paraguassú” (Cartas, cit. p. 310). D’Avezac publicou documentos relativos ao navio “Espoir”, de Honfleur, comandado por Binot Paulmier de Gonneville, que aqui esteve em 1504 (Annales de voyages, Paris, 1869). Em 1509 foram levados a Ruão sete índios do Brasil. Dom Manuel protestou, junto à Corte de França, contra armadores e corsários, que escapavam à mesma jurisdição do seu país, e foi levado, ao cabo de transigências e reclamações vãs, à vindita armada contra esses intrusos.
Em 1508 coloca-se a aventura de João Ramalho, o aventureiro de S. Paulo que veremos adiante. Dele disse Tomé de Sousa a el-Rei D. João III, que Martim Afonso aqui o achara: Varnhagen (op. cit., t. I, p. 115-6) apura que era o homem que há 60 anos aí estivera em 1568, segundo depôs em carta o P.e Baltasar Fernandes, escrita por comissão de Anchieta: (1568 -60=1508).
Em 1509 ou 1511 será a de Diogo Álvares, de Viana, o “Caramurú” dos índios, náufrago nas costas da Baía, a quem a lenda emprestou uma espingarda, com que assombrou os íncolas: depois a lingüística interveiu e o “caramurú” foi assimilado à moreia grande, peixe entocado nas pedras, comparado ao náufrago encontrado entre os rochedos do Rio Vermelho. (Um neto, descobridor das minas de Itabaiana, traduzira no próprio nome a alcunha avoenga, Belchior Dias Moreia). D. Rodrigo de Acuña achou na Baía, em 1526, um cristão que havia 15 anos aí estava, de uma nau perdida (Navarrete, Collecion de los Viages y descubrimientos, Madrid, 1837, t. V, p. 170, nota 231: deve ter sido o Caramurú, diz-nos Rodolfo Garcia; portanto 1526-15=1511. Mas, no Roteiro de Pero Lopes [cf. Hist. de Colon. Port., cit. t. III, p. 143] se diz de “hu homem portuguez q avia xxij (22) anos q estava nesta terra” e seria o Caramurú, dissera Varnhagen. Portanto 1531-22=1509. Portanto ainda, 1509 ou 1511). Diogo Álvares conseguiu boas relações com os Índios, casando com a filha dum cacique, chamada Paraguassú. A tradição deu-lhe o nome de Catarina, mas Frei Vicente do Salvador, que ainda a alcançou “viúva, mui honrada, amiga de fazer esmola aos pobres e outras obras de piedade”, dá-lhe o nome de Luíza (Hist. do Brasil, l. III, cap. I). Diogo Álvares e os seus habitavam onde é hoje o bairro da Graça e seria próximo da Barra, ou arraial do Pereira (nome do donatário Francisco Pereira Coutinho) a “Vila Velha”, substituída, em 1549, pela cidade nova, a Baía de Tomé de Sousa, fundada no interior da baía de Todos os Santos. (Diogo Álvares inspirou o poema de Santa Rita Durão “O Caramurú”, onde vem a lenda de Moema, balbucio do romantismo nacional).
Publicou Varnhagen o “Llyuro da naao bertoa que vay para a terra do brazyll... que partio deste porto de Lixª (Lisboa) a 22 de fevº (fevereiro) de 1511”. Essa nau Bretoa (houve mais de uma com tal nome em Portugal, o que presume ter sido construída na Bretanha, terra de marítimos), foi armada por Bertolomeu Merchioni (de Bertô-lomeu não se faria Bertoa?), Benedito Moselli, Fernão de Loronha e Francisco Martins, e mandada a Cabo Frio: partiu do Tejo a 22 de fevereiro, fundeou a 12 de maio na baía de Todos os Santos, a 26 chegou a Cabo Frio, carregou e a 28 de julho tornou para Portugal, conduzindo cinco mil toros de brasil, vinte e dois tuins, dezasseis sagüins, dezasseis gatos, quinze papagaios, três macacos, tudo avaliado em 4$220 (ou 2:110$000 de hoje), e 40 peças de escravos, mulheres na maioria, avaliados ao preço médio de 4$000 (2 contos de hoje). Crê Varnhagen que os Índios foram “resgatados” legitimamente, isto é, trocados por facas, machados, espelhos, cascavéis e avelórios, artigos de resgate, como se chamava e se praticava em África. Dessa viagem fizera parte João Lopes de Carvalho, que demorara quatro anos no Rio, havendo um filho de uma índia e tornando ao Brasil, como um dos pilotos de Fernão de Magalhães.
Em 1512, será a viagem da caravela de Cristóvão de Haro que em requerimento de 1519 lembrava “puede haber seis años poco más ó menos”, armou a embarcação em Lisboa para resgate no Brasil: Estêvão Fróes, que a comandava, foi levado do Brasil a Porto Rico, pelos ventos, onde foi preso pelos Espanhóis e daí pediu proteção a el-Rei. (“As datas concordam”, diz J. F. de Almeida Prado, Primeiros Povoadores do Brasil 1500-1530, São Paulo, 1935, p. 53, as da viagem de Fróes e a dos dizeres do requerimento).
Refere-se Damião de Góes (Crônica del-Rei Dom Manuel, p. I, cap. LVII, fl. 56, verso) a Jorge Lopes Bixorda que, em 1513, tinha o trato do “pau-brasil” e viera falar a el-Rei trazendo três índios frecheiros, cujas habilidades o cronista viu.
Será de 1514 a viagem de Dom Nuno Manuel e Cristóvão de Haro, mercador de Burgos e Antuérpia, então ao serviço de Portugal, os quais armaram um navio, levando por piloto a João de Lisboa, o outro da Coroa, pois dela será notícia a Gazeta Alemã, datada desse ano, segundo o manuscrito achado por Haebler nos arquivos do Príncipe Fugger, em Augsburgo. A Zeitung aus Presilig Landt é um fólio escrito da Madeira para Antuérpia, por feitor de alguma casa importante, com as notícias da terra do Brasil. O “Nono”, do documento, foi, por Capistrano, identificado a D. Nuno Manuel. (Cf. Clemente Brandenburger, A nova gazeta da terra do Brasil, S. Paulo, Rio, 1922).
Em 1515 João Dias de Solis, dito Bofes de Bagaço, piloto português (cf. Varnhagen, nota de Garcia, op. cit., t. I, p. 122), criminoso e refugiado em Castela, a primeira vez pelo roubo de uma caravela, a segunda porque matara a mulher no reino, tendo a Espanha aproveitado os seus serviços, vai descobrir o Rio da Prata, tocando no Brasil entre os Cabos de São Roque e Santo Agostinho, que avista, buscando Cabo Frio; e, pelo Rio de Janeiro e Cananéa, tocando para diante, descobre o estuário do grande rio do sul. Aí mataram-no os índios em que se fiara e os companheiros rumaram ao norte, carregando brasil e tomando onze portugueses de uma feitoria de Pernambuco. Ao protesto de Portugal, Castela troca esses prisioneiros por sete espanhóis, presos na baía dos Inocentes, ao norte de Cananéa.
Varnhagen cita, em 1516, a solicitude de Portugal pelo Brasil, mandando, por alvará ao feitor e oficiais de Casa da Índia, que dessem “machados e enchadas e toda a mais ferramenta às pessoas que fossem a povoar o Brasil”. Por outro alvará, ordem ao mesmo feitor e oficiais que “procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar; e que lhe desse sua ajuda de custo e também todo o cobre e ferro e mais cousas necessárias” (op. cit. p. 106). Também o espiritual não era descurado: a bula do Pontífice Leão X, de 1514, tornava as novas terras sufragâneas do bispado de Funchal, na Madeira. O bispado do Funchal foi o primeiro de que, depois da vigararia de Tomar, sede do Mestrado de Cristo a que pertenciam as novas terras, e consideraram espiritualmente dependentes os primeiros colonos e índios cristãos do Brasil(10).
Em 1516, diz ainda Varnhagen, haviam chegado tais notícias das suas navegações (dos Franceses) no Brasil, que el-Rei Dom Manuel mandava por agentes seus representar contra elas à Corte de França. A primeira viagem de Cristóvão Jacques, neste ano, de reconhecimento à costa do Brasil, prende-se à necessidade de conhecer os meios de vencer os corsários franceses, que infestavam o litoral, e punham em perigo a própria soberania de Portugal(11). Nessa viagem Cristóvão Jacques gastou os dias que vão de 21 de junho de 1516 a 9 de maio de 1519, dois anos, dez meses e dezoito dias, fundando uma feitoria em Pernambuco, explorando o sul de Santa Catarina ao Rio da Prata. (Cf. Esteves Pereira, História da Colonização Portugueza do Brasil, cit. t. II, p. 361-4). Esse Capitão virá a ser enviado em expedição decisiva mais tarde, a dar caça aos intrusos.
O fato mais importante de que em seguida temos notícia é a viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, que tocou no Brasil, de rota para o Sul, entrando no Rio de Janeiro(12) a 13 de dezembro de 1519, dia de Santa Luzia, donde o dar à baía essa invocação. Diz Gaspar Corrêa (op. cit. II, 628): “Partiu-se das Canárias de Tenerife e foi demandar o Cabo Verde, donde atravessou a Costa do Brasil e foi entrar em um rio que se chama Janeiro. Ia por piloto-mor um português chamado João Lopes Carvalhinho, o qual neste rio já estivera e levou um filho que aí fizera em uma mulher da terra e daí foram navegando até chegarem ao Cabo de Santa Maria.” Pigafetta, o escrivão do périplo, diz que João Lopes de Carvalho, “nosso piloto”, passara quatro anos no Brasil; referiu-lhe os costumes de antropofagia dos aborígenes, e, certamente, as palavras regionais, os 12 primeiros americanismos apontados: rei, cacique; bom, tum; casa, boi; cama (rede), hamac; pente, chipag; foca, tarsi; chocalho, itanimaracá; tesouras, pirame; anzol, pindá; milho, maiz; farinha, auí (13). (Francisco António Pigafetta, Viagem ao redor do mundo, ed. de Carlos Amoretti, trad. em francês do manuscrito que possui a Ambrosiana, de Milão).
Às reclamações de Dom Manuel, em 1516, a Francisco I, por seu embaixador Jácome Monteiro, sucederam as de Dom João III por João da Silveira, relativas às tomadas de naus por Franceses, em 1521; em 26 Silveira comunicava que uma armada de dez navios se aprestava para outra agressão. Foi então nomeado o “Governador das partes do Brasil”, sucessor de Pero Capico, “Capitão de uma das Capitanias do dito Brasil” (prova de que havia mais de uma, diz muito bem Varnhagen), cujo tempo terminara e que queria recolher-se ao reino. Assim, diz Fr. Luiz de Sousa: “No mesmo (ano de 26) despachou El-Rey (D. João III) a primeira armada que foy em seu tempo ao Brasil; Capitão-mor Cristóvão Jacques. Foy correr aquela costa e alimpalla de cossarios, que com teyma a continuavão pollo proveito que tinhão do pau brasil. E erão os mais dos portos de França do Mar Oceano” (Anais de El-Rei D. João Terceiro, Lisboa, 1844, p. 178).
No fim do ano estava Jacques na costa do Brasil, fundeado no canal que separa a ilha de Itamaracá do continente, onde fundou uma feitoria, a de Pernambuco, bem necessária à defesa da região, por muito freqüentada pelos Franceses, que chegaram a chamar, ao brasil, bois de Pernambouc. Desse pau carregou a nau, enviada ao reino e, com cinco caravelas, endireitou rumo do sul, a percorrer a costa. Na baía de Todos os Santos, diz a tradição que, na ilha dos Franceses, à foz do Paraguassú, encontrou três navios bretões, que faziam carregamentos, e com eles travou peleja, vencendo-os, e fazendo trezentos prisioneiros, que levou à feitoria de Pernambuco. Recolhido ao reino, além dos prisioneiros e carga, levou Cristóvão Jacques noções da terra explorada, propondo-se a colonizador, e oferecendo-se para tornar ao Brasil com mil colonos. Francisco I reclamaria, contra o dano sofrido, indenizações e, não atendido, assinava carta de corso, contra Portugal, a João Angô.
As idéias de colonização de Cristóvão Jacques tiveram o apoio de Diogo de Gouveia, sábio teólogo, reitor do Colégio de Sainte Barbe em Paris e, depois, da Universidade de Bordéus, que escreveu a el-Rei, em reforço desse povoamento por capitanias. Mas a idéia não amadurecera no ânimo de D. João III.
Em 1530 parte uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, para reconhecimento do Brasil, exploração e defesa da costa, e primeiro estabelecimento de sesmarias, a quem as pedisse. Seria evolução para as capitanias hereditárias, que não eram novidade, já existentes na Madeira e nos Açores. Com Martim Afonso veio seu irmão Pero Lopes de Sousa, a quem se deve a obra memorável de um Roteiro da Costa do Brasil.
[imagem]
Capitão de nau portuguesa do século XVI, segundo uma escultura do British Museum, Londres.]

A 31 de Janeiro de 1531 estavam diante do Cabo de Santo Agostinho e já na costa de Pernambuco; encontrando navios franceses deram-lhes caça, tomando três, um queimado, outro enviado ao reino carregado de brasil, o terceiro encorporado à armada, que ia a caminho do Rio da Prata. Na Bahia foram acolhidos por Diogo Álvares, o Caramurú, e Pero Lopes achou, das baianas, que “eram mui fermosas e não haviam nenhuma inveja às da rua Nova, de Lisboa”. (Diário de Navegação, ed. de E. de Castro, Rio, 1927, p. 154). Depois no Rio de Janeiro, (p. 174) onde se demoraram, fizeram desembarque(14) e exploração, terra a dentro: “a gente deste rio é como a da Baía de Todos os Santos, senão quanto é mais gentil gente”, diz ainda Pero Lopes. Do Rio foram a Cananéa; em terra encontraram um bacharel português, (p. 205), que “havia trinta anos que estava degredado” e por aí vivia. Tocando para o Sul, foram vítimas de pampeiro e tempestade, à foz do Chui, destacando Martim Afonso a Pero Lopes e outros destemidos para explorarem o Rio da Prata, subindo o Paraná e Uruguai.
Martim Afonso tornara do sul a S. Vicente, onde fundou a colônia, que tão famosa veio a ser, núcleo de povoação dessas partes e ponto de penetração do litoral ao sertão. Aí encontraram o português João Ramalho, o Caramurú de S. Paulo, há longos anos domiciliado na terra, aliado com o gentio e genro do cacique Tibiriçá. Na colônia interior de Piratininga, João Ramalho assumiria mando e governo. As colônias prosperaram, as sementes trazidas do Reino vingaram, a cana de açúcar foi plantada e daria para o primeiro engenho. Pero Lopes que, tornado, assistira e colaborara na fundação das duas vilas, relata a civilização pegava de galho nestas regiões do sul do Brasil: “repartiu (o Capitão-mor) a gente nestas duas vilas e fez nelas oficiaes; e poz tudo em boa ordem de justiça; do que a gente toda tomou muito consolaçom com verem povoar vilas e ter leis e sacrificios, e celebrar matrimonios e viverem em comunicaçam das artes; a ser cada um senhor do seu; e vestir as injurias particulares; e ter todos outros bens de vida segura e conservavel.“ (Op. cit., p. 342).
CAPITANIAS
Esta experiência, corroborando as opiniões manifestadas anteriormente, sobretudo a tenacidade e amplitude que os Franceses estavam dando a suas empresas de corso no litoral brasileiro, provocaram nova insistência de Diogo de Gouvêa, e el-Rei decidiu-se a criar as capitanias do Brasil. Vimos que algumas já existiam sem sistema, e já aludimos ao sistema, que vingara na Madeira. Desde 1433 que Dom Duarte ratificara ao irmão, a doação de D. João I ao Príncipe Dom Henrique. Este dividira a dádiva em duas capitanias, a de Funchal e a de Machico. A doação é válida pela vida do soberano: Afonso V corrobora na doação, ao tio. O mesmo acontecerá à sucessão do Infante Navegador. Dom Manuel doou a Fernão de Loronha a capitania da ilha de S. João, que ele descobrira. Falou-se em sistema feudal: Alexandre Herculano combateu tal idéia; Portugal, que não conheceu o feudalismo, na sua época, não iria reinventá-lo tardiamente. Como tudo é pretexto a controvérsia, discute-se... O rei guarda a jurisdição, o cunho de moeda, e a prestação do serviço militar; apenas a capitania vem a ser hereditária, para justificar e promover o zelo e o emprego de capitais, de outra maneira sem compensação. No Brasil a Coroa reservou o monopólio do pau-brasil, das especiarias, drogas e escravos, o quinto dos metais preciosos e o dízimo de todos os produtos da terra. Os donatários não batem moeda, não têm soldados, nem julgam os criminosos.

Entretanto Diogo de Gouvêa alvitrara em 1529 ao irmão do Capitão de São Miguel, João de Melo da Câmara e a Cristóvão Jacques, que se propunham a povoar o Brasil com dois mil moradores, um, e mil, o outro. Em 32, insiste, dizendo a el-Rei: “E se vos estorvaram, senhor, por dizerem que enriqueciam muito. Quando vossos vassalos forem ricos, os reinos não se perdem por isso, mas se ganham...” (Essa razão não procede só no Brasil colonial, mas continua no independente: o ganho possivel de alguns ativos é impedido pela passividade ciumenta de todos: capitanias, ferro, petróleo. ..).
Martim Afonso, ainda em Pernambuco, recebia a notícia de divisão do Brasil em grandes capitanias, demarcadas, de muito ao norte de Pernambuco ao Rio da Prata, cinqüenta léguas de costa a cada capitania, apartadas logo cem léguas para o Capitão-mor e cinqüenta para o irmão Pero Lopes, que depois teve três quinhões. A resolução foi de 32, as primeiras doações a 33, os diplomas a partir de 34. El-rei confessa a Martim Afonso que não o esperou, para a deliberação, não só porque ”algumas pessoas me requeriam capitanias”, como “algumas partes faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil e seria grande trabalho lançar fora a gente que a povoasse depois de estar assentada na terra e ter nela feitas algumas forças, como já em Pernambuco começava a fazer”... Não foi deliberação, senão homologação. Pelo menos, faze, antes que façam. E foi feito. A colonização fazia-se, sem sistema: tinha agora um sistema. Os primeiros donatários foram:
Martim Afonso de Sousa, dois quinhões, de doze léguas abaixo de Cananéa, até pouco acima de Cabo Frio. Só a parte de S. Vicente foi colonizada, servindo de núcleo as duas vilas fundadas anteriormente, de S. Vicente e Piratininga. A cana de açúcar trazida para aí, da Madeira (Gabriel Soares diz que viera primeiro de Cabo Verde para os Ilhéus) deu o primeiro engenho de açúcar, que chegou a ser próspero, sob o nome engenho dos “Erasmos”, de uma firma de ricos homens de Flandres, Erasmo Schetz, a cujos feitores se refere Anchieta. Na futura vila de Santos, junto a S. Vicente, Braz Cubas estabeleceu o primeiro monjolo, ou engenhoca, de pilar cereais.
Pero Lopes de Sousa teve três quinhões separados: Sant’Ana, de Paranaguá a Laguna, não colonizado; Santo Amaro, da barra de Santos à ponta do norte do canal da ilha de S. Sebastião; Itamaracá que ia do rio Igarassú a Paraíba: ao todo somavam 80 léguas de costa. Tanto este, como o irmão, geriram por delegados.
[imagem]
Demarcação das Capitanias

[imagem]
Carta Quinhentista de São Vicente e Santos


Nenhum comentário: