AS ESPECIARIAS HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO
AS ESPECIARIAS
Conheceu a Europa, assim, as especiarias dos trópicos. Esse supérfluo tornou-se necessário. O clima ajudara a religião a vestir os homens e, demais, a evitar os banhos — Michelet pôde dizer, da Idade-Média: nem um banho, em mil anos! — E, no corpo não lavado e na roupa não mudada — a roupa branca interna, a camisa, começa a aparecer só depois de 1330 — as excreções fazem repugnância, incomodidade, repulsão. Os perfumes tropicais, sândalo, mirra, benjoim, incenso, misturas, essências, cânfora, tinturas, foram um alívio e um deleite. Com as essências e os perfumes, o suntuário que agrada à vista, tapetes, sedas, cetins, telas, damascos, jóias, porcelanas, mil objetos exóticos invadiram a Europa e tudo era “especiaria”.
Mas, as dominantes, eram as do gosto. A Europa não aprendera ainda a sucessão sazonal das colheitas, nem tinha como guardar alimento, da estação calmosa para a estação fria. Por faltar forragem aos bovídeos, durante o inverno, eram abatidos, os mais deles, em Novembro, aos primeiros frios, em todo o Norte, e salgada a carne para o consumo dos meses seguintes. Não havia a batata, que é americana, nem os legumes já eram do hábito da mesa, nem a estação os permitiria. O regime alimentar era, pois, severo e ingrato: trigo e carne salgada. O tempero, as especiarias tropicais, pimenta, cravo, canela, gengibre, noz moscada... foram bênçãos do céu... festa do apetite e alegria do gosto. Dado o hábito, tal suntuário transforma-se na mais exigente necessidade. O parco mel de abelhas teve o sucedâneo milagroso do açúcar, a princípio nas boticas, de tão precioso, depois nas mercearias. O chá, o café, o cacau, como fora o álcool, viriam a ser delícias desse gosto, tanto e tão severamente tratado durante séculos.
Por isso, o comércio de especiarias do Oriente, das Índias, pelos desertos da Arábia e da Síria até o Mediterrâneo, ou por via de cabotagem, pelo Golfo Pérsico, Mar Vermelho, até o Istmo de Suez, para o mesmo Mediterrâneo, com escalas medrosas, comércio em que viriam a primar Gênova e Veneza, destribuidoras das especiarias ao resto da Europa, por Nurembergue, Lião, Bruges... aos portos, e ao interior da Europa medieval, esse comércio, digo, era questão tão vital à humanidade, como é hoje o senhorio dos mares pelo interesse insular da Inglaterra, que ora permite ao mundo intercomunicar-se. Antes, o enriquecimento que esse tráfico trouxera às cidades italianas, provocara o surto de cultura que é das causas do Renascimento, por isso mesmo ajudando o estímulo à competição.
Quando os Turcos tomaram Constantinopla (1453), quando suas armadas dominaram o Mediterrâneo, quando Veneza se pôs em guerra contra a Turquia, já seria a necessidade: o comércio no Mediterrâneo entrou em decadência e a Europa insistiu noutro caminho, outros caminhos empreendera para conseguir as especiarias que foram o incentivo das Navegações e da Revelação. “E, se mais mundo houvera, lá chegara”. (Lus., VII, 14).
Haviam as Cruzadas ensinado aos Nórdicos o caminho marítimo, até o fundo do Mediterrâneo: depois dos périplos piedosos, vieram os lucrativos tráficos marítimos. As conquistas religiosas haviam aproximado o Oriente de entrepostos, Rodes, Chipre, Beirute, Grécia, Egito, antes de Pisa, Gênova, finalmente Veneza, dominante, onde todo o norte da Europa tinha armazéns, feitores e representações. Comprava-se e vendia-se e a mercadoria caminhava via terrestre ou marítima. Além dos produtos exóticos, as indústrias regionais: vidros, rendas, drogas farmacêuticas, e com isso o tráfico de escravos, negros, muçulmanos, dálmatas. A moeda de ouro e prata, o primeiro banco, que datava de 1141, uma frota de 3 a 4.000 navios, governo de plutocratas servindo ao lucro individual e coletivo, tinham feito, de Veneza, a cidade cosmopolita, monopolizadora do comércio das especiarias. Isto despertaria emulação, incentivo e concorrência: os Turcos no Mediterrâneo iriam ajudá-las.
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