quarta-feira, 7 de agosto de 2013

HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO 4


HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO 4


AS NAVEGAÇÕES
Mas Ceuta foi decepção: posto isolado em meio hostil e, ao demais, agora trocada por Túnis, pelas caravanas que vêm do Soldão com especiarias, era entretanto, como disse Dom Pedro, um dos “inclitos infantes”: “sumidouro de gente, de armas e de dinheiro”. O outro caminho, o das navegações, daria mais resultados. Dom Henrique, com as rendas do seu mestrado de Cristo, ia dar-se a elas, herdado o impulso do Pai. Ao Mediterrâneo chegara a galé, com o remo, lenta mas segura na manobra, pois o objetivo principal era a guerra. O Atlântico ia à caravela, desde 1440, de trinta metros de comprido, alta para fender as ondas, arqueação para gente, mantimentos e carga, a seis milhas ou dez quilômetros à hora, graças ao vento nas velas. “Os Portugueses inventaram o duplo aparelho: velas quadradas para o vento de popa, velas latinas para o barlavento”(3): com isto, o invento português foi este — a navegação ao largo: Colombo, que a fizera, foi aluno, e até genro, de navegante português. Depois, outros aprenderam.

Estabelecendo-se entre Sagres e S. Vicente, onde recebia os navegantes e pilotos e conversava com astrônomos e cosmógrafos, preparando seus planos de contornar a África, estavam aí simbolizados os dois endereços das Navegações: o continente negro a costear antes das Índias, o outro para o desconhecido, que será a América. E a realidade vai-se substituindo à vontade, que foi sonho. Porto-Santo e Madeira conhecidas e ocupadas em 14-23-25, os Açores em 1432, o Cabo Bojador é transposto em 34. No ano seguinte atinge-se a ponta da Galé, a 22º12’ lat. N. Em 41 Antão Gonçalves vai até aí, ao Rio de Oiro, já para carregar azeite e peles de lobo-marinho e tomar informações “das Índias e terra de Preste Joham e seer podesse” (Zurara, Crônica... da Guiné, ed. 1854, cap. XVI, p. 94). Começara a chegar ao reino mercância africana: peles, malagueta (a concorrente da pimenta indiana)(5), marfim, ouro em pó, principalmente escravos. Lançarote de Lagos traz o primeiro carregamento deles, 235 peças, das quais 46, ou o quinto, a vintena, para o Infante. Até 48, quando acaba a Crônica de Zurara, são 927 negros e 125 para o Infante. Os negros invadem Portugal e passam a Espanha, negociados por traficantes, nobres, príncipes, até por el-Rei D. Afonso V. Clenardo virá a dizer em 1535: “Os escravos pululam por toda parte: estou em crer que em Lisboa são mais que os portugueses de condição livre”. (Cf. Gonçalves Cerejeira, Clenardo, Coimbra, 1918, t. II, p. 14-5, do apêndice). Não é novidade, pois já dissera Garcia de Rezende na Miscelânea: “Vemos no reino meter tantos cativos, crescer e irem-se os naturais, que se assim for, serão mais eles que nós, a meu ver”.
Mas, em 43, alcançava-se a Senegâmbia, passava-se o Senegal, chegava-se à terra dos Guinéus, atingindo o Cabo Verde, a 14º,4’ lat. N. Em 44 era organizada a Companhia de Lagos para exploração comercial da costa, arrendado o monopólio: ainda hoje a tradição mostra, aí, o mercado dos escravos: a Casa de Guiné foi em Lagos. Em 47 dobra-se o Cabo dos Mastros. Em 60 exploram-se as ilhas de Cabo Verde.
Quando morre o Infante de Sagres, nesse ano de 1460, do Cabo Não ao Cabo Mesurado, 1.700 milhas geográficas do périplo africano estavam reveladas. O Infante não era um místico, como o romantismo quis fazer dele: era um estadista, um político, com o trato das realidades: fomentou a cultura do campo nas terras do seu Mestrado de Cristo; desenvolveu e criou indústrias novas, a pesca, o coral, a tinturaria, a saboaria, a moagem; traficou com peles, malagueta, escravos. (Cf. Jaime Cortesão, História de Portugal, ed. Damião Peres, Barcelos, 1931, t. III, p. 363). Mandou vir a cana do açúcar da Sicília para a Madeira, onde fez plantar canaviais, fundou um lagar ou engenho, importou artífices e técnicos, deu privilégio de fabrico (1452), reservando o terço da produção para o seu erário: o primeiro doce foi para presente a príncipes e nobres. Depois chegou-se a prover Lisboa de umas 120.000 arrobas por ano, para o reino e o restante para Flandres, a Provença, Sul de França, Veneza. Também fez vir de Chipre a vide doce e seca, que dá o vinho quente e generoso: dois séculos mais, o vinho Madeira terá universal renome e substituirá, na pauta, o açúcar, emigrante para a América. Açúcar, vinho generoso, malagueta, peles, ouro, escravos eram, antes das Índias, o suprimento africano das especiarias: o Atlântico já substituindo o Mediterrâneo.
Depois de Dom Henrique as navegações passam à Coroa, intensificadas por Dom João II, escoado o interregno de Afonso V, cujas proezas em África — Alcácer-Ceguer, Tânger, Arzila — são defensivas contra os ninhos de pirataria marroquina. D. João II, vivendo ainda seu pai, explora, por sua conta, — como o pai explorara escravos, a vender para Espanha, — o comércio e a pesca na Guiné, proibida a concorrência. Em 81 dará o apoio militar a esse comércio com o Castelo de S. Jorge da Mina, fortaleza que era, a um tempo, também armazém ou depósito de mercadoria, a trocar, vender e comprar. El-Rei teve até navios a frete. “O dono da nação era agora comerciante, como tinha sido em outros tempos lavrador”(6).
Mas as navegações continuaram. Em 71 é a Costa de Malagueta, a Mina do Oiro, no Rio do Lago, chegam do além do Cabo das Palmas, feito de João de Santarém e Pedro Escobar. Em 82 chega-se ao Zaire, onde já se chanta padrão de pedra; em 84, pelo mesmo Diogo Cão, ultrapassa-se o Equador, que, em 85, fica atrás, no Cabo Negro alcançado. O arranco definitivo foi, porém, a expedição de Bartolomeu Dias, para vingar, em 88, o Cabo que chamou Tormentoso, porque o dobrou em meio de tempestade, e, só de retorno, teve a noção do triunfo. Atingira e passara a meta. Dom João II mudou tal nome em cabo de Boa Esperança,(7) “pela que ele prometia — diz o cronista João de Barros — deste descobrimento da Índia, tão esperada e por tantos anos requerida”. Acabada a África, a caminho para a Índia!
Tanta era a obsessão desse caminho, que não se quis ver mais. Cristóvão Colombo, que habitara a Madeira, casado com portuguesa, filha do navegador Bartolomeu Perestrelo, concebera a idéia de chegar à Índia pelo Ocidente. Andou na Corte de Dom João II “ladrando” o seu requerimento, diz o cronista João de Barros, “vaidade” disse, dele e seu plano, um conselheiro d’el-Rei, o bispo Dom Diogo Ortiz. Foi-se a Castela, onde esteve anos, combatido e motejado, até que a piedade de Isabel a Católica lhe deu as jóias empenhadas, para três caravelas. Em 1492 chegava à América, e lá tornaria outras vezes, sem dissuadir-se que não havia, por aí, caminho para as Índias. Não importa: é a América, não se sabe o quê, mas alguma coisa grande será. Será mesmo pretexto para um ajuste de contas, dos irmãos contrários, Portugal e Espanha. Um papa espanhol, Alexandre VI (Bórgia), aproveita o momento para dividir o mundo, pólo a pólo, em duas bandas, entre Espanha e Portugal: a Bula Inter Coetera é de 4 de Maio de 1493. O Tratado de Tordesilhas, em que as duas partes limitam estas suas posses, assim doadas, é de 1494.
Portugal prosseguiria na sua direção, não mais com Dom João II, que escolhera Vasco da Gama para a empresa dos Lusíadas, porque morre, mas recolherá Dom Manuel a glória de chegar às Índias, em 1497. O Infiel pode dominar o Mediterrâneo: as especiarias têm outro caminho, finalmente, para chegar à Europa. O monopólio era de Veneza: passa a Lisboa(8). A pimenta comprada na Índia a três cruzados o quintal, chegará no Egito a oitenta, e muito mais em Veneza, pois vai escasseando tanto, que as expedições tornam vazias, sem um fardo... Depois de Vasco da Gama custará menos de trinta cruzados, em Lisboa, e haverá a que se queira...

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