HISTÓRIA DO BRASIL DE AFRANIO PEIXOTO 10
O NOME
Disse Pero Vaz: “ao qual monte alto o capitam pos nome o monte Pascoal e aa tera a tera de Vera Cruz”(11) (op. cit.).
Dom Manuel, escrevendo aos Reis de Espanha, diz: “mi capitan com trece naos partio de Lisboa a nueve de Marzo dei año pasado. Em las octavas de la pascoa siguiente llegó á una tierra que nuevamente descubrió, á la qual puso nombre de Santa Cruz”. (Hist. da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. II, p. 155-164).
No regimento dado a João da Nova, capitão da terceira armada, logo depois da de Cabral, vem o nome de Ilha da Cruz (Varnhagen, História Geral, 4.ª ed., t. I, p. 78; António Baião, “O Comércio do Pau-Brasil”, Hist. da Colonização Port. cit., t. II, p. 321).
Portanto, oficialmente, Vera Cruz, Santa Cruz, Cruz... Houve mais: Terra dos Papagaios, pelas grandes e belas araras, que impressionavam, e Pedrálvares enviara ao reino por Gaspar de Lemos, nome que vem em alguns mapas antigos. Cretico (Giovanni Matteo), agente em Lisboa da Senhoria de Veneza, escrevendo dali em 22 de Julho de 1501, diz, narrando a viagem de Cabral: “ha discoberto una terra nova, chiamano la terra deli Papagá, per esserli papagá longi une brazo e piú, de vari colori, de li qual ne hanno visto doy”. (Paesi novamente retrouati, t. VI, Cap. CXXV, Vicentia, 1507). Também aí vem carta de Pietro Pasqualigo (Cap. CXXVI), de 18 de outubro de 1501, em que diz: “com la terra dei Papagá noviter trovate per le navi di questo re che andarono in Calicut”.
Logo, porém, começou o Brasil. Escreveu João de Barros: “Per o qual nome Sancta Cruz foi aquella terra nomeada os primeiros annos: & a cruz arvorada algus durou naquelle lugar. Porem como o demonio per o sinal da cruz perdeo o dominio que tinha sobre nós, mediante a paixão de Christo Jesu consumada nella: tanto que daquella terra começou de vir o pao vermelho chamado brasil, trabalhou que este nome ficasse na bocca do povo, & q se perdesse o de Sancta Cruz: Como que importava mais o nome de hum pao que tinge panos: que daquelle pao que deu tintura a todolos sacramentos perque somos salvos...” (Décadas, I, 1. V, cap. II).
Recentemente, disse Duarte Leite: “Em 1503 já se empregava o termo Brasil, porque o diz João Empoli numa carta transcrita em Ramusio”. (Hist. da Colonização Portuguesa, vol. I, p. 198). Capistrano de Abreu dissera: “Empoli, em 1504, chamava-a Vera Cruz ou Brasil” (Ramusio, Navig., I, p. 145). Desde este ano o nome Brasil apareceu em documentos portugueses e alemães e cada vez se generalizava mais. (Wieser, Magalhães-Strasse und Austral Continent, Innsbruck, 1881, ps. 93-94; Materiais e Achegas, I, nota).
“Empoli”, não é exato. Duarte Leite e Capistrano foram induzidos em erro por Ramusio que, na narrativa de Empoli, introduziu um aposto comprometedor, em 1550-4: depois de “terra della Vera Croce”, esclareceu: “over de Bresil cosi nominata”. O texto autêntico, reproduzido na Racolta Colombiana, parte III, vol. II, Roma, 1893, p. 180, que faz fé, diz apenas “Vera Crocie è si nomata”. Portanto Giovanni da Empoli, feitor de Bartolo Marchioni, numa nau de Portugal, não chama, em documento de 16 de Setembro de 1504, (o 1503, de Duarte Leite,(12) vem do começo dele: “la partita nostra fu di Lisbona a di 6 d’Aprile 1503...”), a Vera Cruz, Brasil. Aliás, atente-se nisto: Ramusio escreve duas vezes “Bresil”, e como, adiante, o documento fala em verzino, não parece admitir identidade de nome entre a terra e a madeira...
Capistrano cita Wieser, que diz, de fato: “Acho o nome Brasil já desde 1504 repetidamente em uso” (p. 93). A saber: Beschreibung der Meerfahrt von Lissabon nach Calacut, vom J. 1504 (Descrição da Navegação de Lisboa a Calacut, do a. 1504): “chama terra nova de Prisilli”; Empoli, no fim de 1504, e cita Ramusio, Venetia, 1563, etc; um “diário de bordo” de 1505-6, diz: “aos 6 dias de mayo foron leste hoeste com a terra de Brazil 200 leguas e dhy se foron ao Sul ata 40 grados” (Pbl. por Schmeller em seu artigo: “Ueber Valentin Fernandez Alemã,(13) etc.” — Abhandlungen der I cl. d. k., bayrischen Akademie d. W. Bd. IV Abtheilung, p. 41 f.; finalmente, a “Gazeta Alemã”, Newen Zeytung aufs Presillg Landt, da qual Varnhagen, op. cit.. p. 98, dissera, citando outrem, que deviam ser informações “de 1507”, e que, na “História Geral”, ainda é mais decisivo e antecipado: “Julgamos de tal importância alguns períodos dessa relação ou gazeta (que supomos haver sido escrita em Lisboa por um estrangeiro e publicada pela primeira vez em 1506”... (Varnhagen, op. cit., II, 4.ª ed., p. 98-9). Ora, o mss. da “Gazeta” foi achado, posteriormente, por Konrad Haebler, em 1895, no Arquivo dos Príncipes Fuegger, em Augsburgo, e traz a data de 1514... (cf. Clemente Brandenburger — A nova gazeta da Terra do Brasil, São Paulo — Rio, 1922). Portanto, Empoli, em 1504, e a Gazeta, em 1506, afastados...
Chamei a atenção para o modo de Ramusio, ainda em 1550-63, escrever na sua interpolação “Bresil”, distinguindo este nome da terra, do nome da madeira, escrito adiante, em italiano, “verzinio”. É que, aqui, tem cabida a hipótese que aquele nome é de origem francesa... Os nomes lusitanos Vera-Cruz, Santa Cruz, não seriam mudados pela piedade portuguesa: foram os piratas franceses, desde antes de 1504, (quando vieram, ao dizer de Anchieta, pela primeira vez) que designaram a terra pela riqueza conhecida, “terre du brésil”, depois daí “le Brésil”, como ainda hoje. Nós tivemos, pela divulgação e aceitação do nome, de traduzi-lo: “Brasil”.
Como quer que seja já em 1510 está em Gil Vicente, no Auto da Fama, “terra do Brasil”: mas será mesmo o Auto de 1510?(14) De 1511, talvez: “Llyuro da naao bertoa que vay para a terra do brasyll... que partiu deste porto de Lixª a 22 de fevº de 511” é o título de um documento publicado por Varnhagen. A nau partiu em 11, mas o livro teria sido escrito nessa data? Tudo leva a crer, mas não é certo.
Certa é a carta de Afonso de Albuquerque, de 1 de Abril de 1512, da Índia, a el-Rei D. Manuel, “a qual (carta de um piloto) tinha ho cabo de Bôoa Esperança, Portugal e a terra do Brasyll...” (Alguns documentos... do Tombo, cit., p. 261). Por certo é também de 1512 o mapa de Jerônimo Marini — Orbis Typus Universalis Tabula Hieronimi Marini fecit Venetia MDXII — cujo original possui o nosso Ministério do Exterior, na Biblioteca do Itamarati, onde se lê pela primeira vez, em planta: “Brasil”. Um ano depois, e é interessantíssimo, é o próprio Dom Manuel que mudara Vera Cruz em Santa Cruz, segundo disse aos reis de Castela Fernando e Isabel e agora a um deles o diz, em 13 de Setembro de 1513: “na teerra... que he pegada com a nossa teerra do Brasyl” (Carta a el-Rei D. Fernando, de Castela, in Alguns documentos, p. 292).
Mas é sempre “terra do Brasil”, como se dissesse, por abreviação, “terra do (pau) brasil”: o documento escrito em que primeiro aparece Brasil só, como no mapa de Marini é o de Dom Rodrigo de Acuña, de 15 de Junho de 27, ao bispo de Osma, dando conta da perda da armada que mandara Carlos V às Molucas e pedindo interceda junto de D. João III para lhe obter a liberdade, preso que está na feitoria de Pernambuco (nos baixios de D. Rodrigo, onde naufragara, e naufraga, mais tarde, o primeiro Bispo, comido pelos índios). Diz ele: “nos convino arrybar al Brrasil”; (nesta carta há ainda “tyerra dei Brrasil” e “nao cargada de brrazil” (Alguns documentos... do Tombo, cit. p. 488-9).
O nome Brasil vem de longe. Disse Humboldt, vem de Samatra, e levou quatro mil anos para nos chegar... É o nome de uma madeira tintorial, a Cesalpina ecchinata, especiaria trazida do Oriente à Europa, nome variamente escrito — braxile, bresillum, brisilium, bersi, verzi, verzino, como recentemente, há cinco séculos, o chamavam os Venezianos. Já dele falam o geógrafo árabe Abuzeid El Hacen (IX século), Endrisi e Chrestien de Troyes no século XII: este escreve mesmo Braisil, que dá, em francês, a pronúncia do nome atual nesse idioma. Teria vindo à Europa depois dos primeiros Cruzados, por volta de 1140. Tirava-se, do toro, a casca e o líber, e apenas o cerne vermelho servia para tingir panos e fazer tinta, para iluminar manuscritos, dando tons róseos às miniaturas. A madeira, dura e corada, também aproveitava à marcenaria.
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