quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MACHADO DE ASSIS - CRÔNICA

Bons dias!
Há anos, por ocasião do movimento Ester de Carvalho, aquela boa atriz que aqui morreu, lembra-me haver lido nos jornais um pequenino artigo anônimo. Nem se lhe podia chamar artigo; era uma pergunta nua e seca. O numeroso partido da atriz estava em ação; havia palmas, flores, versos, longas e brilhantes manifestações públicas. E então dizia a pergunta anônima: “Por que não aproveitaremos este movimento Ester de Carvalho para ver se alcançamos o fechamento das portas?”
A pergunta tinha um ar esquisito, à primeira vista: mas, era a mais natural do mundo. Entretanto não se fez nada por dois motivos, um fácil de entender, que era a absorção do pensamento em um só assunto. A alma não se divide. A questão do fechamento das portas era exclusiva, pedia as energias todas, inteiras, constantes, lutando dia por dia.
A segunda razão é que há anos e há séculos de revoluções e transformações. Para o caso de que se trata não era preciso o século, mas o ano era indispensável. Entre a vinda de Jesus e a morte de César há pouco mais de quarenta anos: e a Revolução Francesa chegou à Bastilha depois de feita nos livros e iniciada nas províncias, desde os albores do século XVIII.
Aqui o caso era de um ano, mesmo que viu a extinção da escravidão. Todas as liberdades são irmãs; parece que, quando uma dá rebate, as outras acodem logo.
Aí temos explicado o movimento atual, que, em boa hora, vai sendo praticado em paz e harmonia. Note-se bem que o movimento outrora tinha um caráter meio duvidoso; pedia-se o fechamento das portas aos domingos. O domingo, só por si, sem mais nada, é um dia protestante; e o movimento, limitando o descanso a esse dia, como que parecia inclinar à Igreja inglesa. Daí a frieza do clero católico. Agora, porém, a plataforma (se me é lícito dizer uma palavra que pouca gente entende) abrange os domingos e dias santos. Deste modo não se pede só o dia do Senhor, mas esse e os mais que o rito católico estabelece em honra dos grandes mártires ou heróis da fé, e dos fastos da Igreja desde os primitivos tempos.
Seguramente, há maior número de dias vagos, mas o trabalho dos outros compensará os perdidos; por esse lado, não vejo perigo. Pode dar-se também que a definição das férias se estenda um pouco mais, pelo tempo adiante. Por exemplo, o dia 2 de novembro é feriado ou não? Vimos este ano duas opiniões opostas, a do Senado e a da Câmara. O Senado declarou que era, e não deu ordem do dia; a Câmara entendeu que não era, e deu ordem do dia. Foi o mesmo que se não desse, é verdade, porque lá não apareceu ninguém; mas a opinião ficou assentada. O Senado comemora os defuntos, a Câmara não. Talvez a Câmara não deseje lembrar o próximo fim dos seus dias. O Senado, embalsamado pela vitaliciedade, pode entrar sem susto nos cemitérios. Não é a lei que o há de matar.
Pois bem, ainda nesses casos o acordo é possível entre caixeiros e patrões; fechem-se as portas ao meio-dia. Os patrões e os rapazes irão de tarde aos cemitérios.
Noto, e por honra de todos, que não tem havido distúrbios nem violências. Há dias, é certo, um grupo protestou contra uma casa do Largo de São Francisco de Paula, que estava aberta; mas quem mandou fechar as portas da casa não foi o grupo, foi o subdelegado. Tem havido muita prudência e razão. O próprio ato do subdelegado, olhando-se bem para ele foi bem feito. Já lá dissera Musset estas palavras: Il faut qu'une porte soit ouverte ou fermée. Não podendo estar abertas as da loja de grinaldas, foi muito melhor fechá-las. “É assim que eu gosto dos médicos especulativos” dizia um personagem de Antônio José.
Não sei se tenho mais alguma coisa que dizer. Creio que não. A questão chinesa está absolutamente esgotada; tão esgotada que, tendo eu anunciado por circular manuscrita, que daria um prêmio de conto de réis a quem me apresentasse um argumento novo, quer a favor, quer contra os chins, recebi carta de um só concorrente, dizendo-me que ainda havia um argumento científico, e era este: "A criação animal decresce por este modo: — o homem, o chim, o chimpanzé..." Como vêem, é apenas um calembour; e se não houvesse calembour no Evangelho e em Camões, era certo que eu quebrava a cara do autor; limitei-me a guardar o dinheiro no bolso.

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