Bons
dias!
Há anos, por ocasião
do movimento Ester de Carvalho, aquela boa atriz que aqui morreu, lembra-me
haver lido nos jornais um pequenino artigo anônimo. Nem se lhe podia chamar
artigo; era uma pergunta nua e seca. O numeroso partido da atriz estava em ação;
havia palmas, flores, versos, longas e brilhantes manifestações públicas. E
então dizia a pergunta anônima: “Por que não aproveitaremos este movimento Ester
de Carvalho para ver se alcançamos o fechamento das portas?”
A pergunta tinha um
ar esquisito, à primeira vista: mas, era a mais natural do mundo. Entretanto não
se fez nada por dois motivos, um fácil de entender, que era a absorção do
pensamento em um só assunto. A alma não se divide. A questão do fechamento das
portas era exclusiva, pedia as energias todas, inteiras, constantes, lutando dia
por dia.
A segunda razão é
que há anos e há séculos de revoluções e transformações. Para o caso de que se
trata não era preciso o século, mas o ano era indispensável. Entre a vinda de
Jesus e a morte de César há pouco mais de quarenta anos: e a Revolução Francesa
chegou à Bastilha depois de feita nos livros e iniciada nas províncias, desde os
albores do século XVIII.
Aqui o caso era de
um ano, mesmo que viu a extinção da escravidão. Todas as liberdades são irmãs;
parece que, quando uma dá rebate, as outras acodem logo.
Aí temos explicado o
movimento atual, que, em boa hora, vai sendo praticado em paz e harmonia.
Note-se bem que o movimento outrora tinha um caráter meio duvidoso; pedia-se o
fechamento das portas aos domingos. O domingo, só por si, sem mais nada, é um
dia protestante; e o movimento, limitando o descanso a esse dia, como que
parecia inclinar à Igreja inglesa. Daí a frieza do clero católico. Agora, porém,
a plataforma (se me é lícito dizer uma palavra que pouca gente entende) abrange
os domingos e dias santos. Deste modo não se pede só o dia do Senhor, mas esse e
os mais que o rito católico estabelece em honra dos grandes mártires ou heróis
da fé, e dos fastos da Igreja desde os primitivos tempos.
Seguramente, há
maior número de dias vagos, mas o trabalho dos outros compensará os perdidos;
por esse lado, não vejo perigo. Pode dar-se também que a definição das férias se
estenda um pouco mais, pelo tempo adiante. Por exemplo, o dia 2 de novembro é
feriado ou não? Vimos este ano duas opiniões opostas, a do Senado e a da Câmara.
O Senado declarou que era, e não deu ordem do dia; a Câmara entendeu que não
era, e deu ordem do dia. Foi o mesmo que se não desse, é verdade, porque lá não
apareceu ninguém; mas a opinião ficou assentada. O Senado comemora os defuntos,
a Câmara não. Talvez a Câmara não deseje lembrar o próximo fim dos seus dias. O
Senado, embalsamado pela vitaliciedade, pode entrar sem susto nos cemitérios.
Não é a lei que o há de matar.
Pois bem, ainda
nesses casos o acordo é possível entre caixeiros e patrões; fechem-se as portas
ao meio-dia. Os patrões e os rapazes irão de tarde aos cemitérios.
Noto, e por honra de
todos, que não tem havido distúrbios nem violências. Há dias, é certo, um grupo
protestou contra uma casa do Largo de São Francisco de Paula, que estava aberta;
mas quem mandou fechar as portas da casa não foi o grupo, foi o subdelegado. Tem
havido muita prudência e razão. O próprio ato do subdelegado, olhando-se bem
para ele foi bem feito. Já lá dissera Musset
estas palavras: Il faut qu'une porte soit ouverte ou fermée. Não
podendo estar abertas as da loja de grinaldas, foi muito melhor fechá-las. “É
assim que eu gosto dos médicos especulativos” dizia um personagem de Antônio
José.
Não sei se tenho
mais alguma coisa que dizer. Creio que não. A questão chinesa está absolutamente
esgotada; tão esgotada que, tendo eu anunciado por circular manuscrita, que
daria um prêmio de conto de réis a quem me apresentasse um argumento novo, quer
a favor, quer contra os chins, recebi carta de um só concorrente, dizendo-me que
ainda havia um argumento científico, e era este: "A criação animal decresce por
este modo: — o homem, o chim, o chimpanzé..." Como vêem, é apenas um
calembour; e se não houvesse calembour no Evangelho e em Camões,
era certo que eu quebrava a cara do autor; limitei-me a guardar o dinheiro no
bolso.
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